Sobre a Indiferença

São Paulo estava muito diferente desde a minha última visita. Fazia um sol de dar gosto. Seguíamos pela marginal Tietê num vagar letárgico que me dava nos nervos. Parecia que tudo ao meu redor havia sido tomado de u sono profundo. Liguei para o táxi do meu celular com o intuito de não ficar muito tempo esperando na Rodoviária. Olhando a minha volta, as pessoas sequer falavam dentro do ônibus, havia desinteresse, indiferença e uma torrente de apatia no ar. Ligação conluída, senti-me então vencido pelo ambiente, recostei na poltrona em que estava e cochilei uma vez mais...

Despertei com o motorista do ônibus me avisando que havíamos chegado. "Chegamos?" Alarme falso. Pois eu ainda estava muito longe do meu destino. Olhei, então, para o homem engravatado que me encarava, não com muita paciência eu diria. Dava para notar que ele divia estar pensando em palavrões naquele momento. Desculpei-me pelo incômodo. E saí do ônibus um tanto quanto constrangido. "Ele não devi me tratar bem? Ao menos sorrir?"....

O táxi já me aguardava no terminal. Guardei minha mochila no porta-malas e entrei no carro. Mal andamos alguns metros e me bateu aquela vontade de conversar. Perguntei ao motorista: "Quanto até o hotel?". Ele me lançou um olhar triste, em seguida acenou para um pequeno aprelho GPS próximo ao câmbio, do qual pude ler: restam 14 Km... "Mas eu havia perguntado quanto tempo!". Negligência, pensei comigo, é a falsa atenção para com o próximo. Até "meditei" em emendar outra pergunta para ver se puxava conversa, mas achei melhor abandonar a ideia. O taxistas apenas mirava o horizonte, como se a vontade dele chegar fosse maior do que a minha. À porta do hotel, o casmurro, assinou o meu vale-táxi e agradeceu, muito secamente.

Na recepção, outro engravatado revirava alguns papéis ao lado de um computador. Tal era a sua procura que não se deu conta de mim. Olhei chateado para o balcão de um branco imaculado, quando notei uma sineta pequena bem à mão. Não tive dúvidas, deitei-lhe dois tapinhas! com o alarido o homem se assustou, cravando os olhos vacilantes em mim. De certo imaginou: "É um assalto!". Mas não era . Era apenas eu, um simples hóspede faminto por atenção...
He, he, e que mal podia esconder o prazer de pregar uma peça. Ao final da maratona, agora deitado na cama do hotel, refleti sobre os inúmeros desencontros entre ânimos que experimentei na viagem, e, também, sobre como me incomoda a indiferença que algumas pessoas ostentam. E já decidido a não pensar mais nesse estressante assunto, a molecagem que fiz ao recepcionista me surgiu à mente, como fosse um prêmio. Certo é, que voltei a sorrir largamente, completamente satisfeito comigo mesmo. Adormeci sem ver, como nos velhos tempos em que era uma criança peralta.

Luciano Borges
Escritor e Poeta
lb.letras@gmail.com

Sobre a Reforma Ortográfica

Olhei este último domigono para as minhas estantes de livros, e não com o orgulho de antes... É, antes era uma alegria só retirá-los das prateleiras, passar-lhes os espanador para depois alinhá-los um a um nalgum canto, enquanto cuidava em passar um pano úmido nos locais onde estavam. Tratava-se de um ritual que me deixava feliz, como visitar um amigo que não se vê há tempos.

Sabe, leitor, eu possuo um modesto acervo em minha casa. Livros que enchem duas estantes de alto a baixo, e que agora se encontram "desatualizados". Eles não vão mais atender na sua plenitude às necessidades das pessoas que por ventura me solicitarem o empréstimo. E tudo porque, alguns acentos e hífens foram alterados. O professor Pasquale num de sues recentes livros sobre gramática disse: "Não gostei da reforma. Sob o pretexto de unificar a grafia do português nos oito países em que ele é língua oficial e simplificar as normas ortográficas, os pais da Reforma não perceberam que seu custo superará - de longe - seus eventuais benefícios". É, ele e uma gama de linguistas não viram com bons olhos esta mudança.

Quanto a mim, quando me perguntaram esta semana no trabalho sobre o que eu achava da Reforma Ortográfica, uma vez que sou formado em Letras, respondi com outra pergunta: "O que você achou da mais nova mudança na Fórmula 1, que diz respeito ao critério para decidir o campeão da temporada?". Meu amigo não tinha a menor ideia do que eu estava falando. E expliquei: "Que de agora em diante o título ficará para o piloto que vencer mais corridas, e não para quem somar mais pontos'. ele me olhou com uma cara de quem não estava entendendo nada. E uma vez mais esclareci: "Você deve estar se perguntando o que isso tudo tem a ver com a Reforma Ortográfica?". Ora, assim como na Reforma, pegaram uma concepção, desejo, conceito, chame do que você quiser, e disseram: '...agora vai ser assim e pronto'. O que importa se vai mais atrapalhar do que ajudar? O que vale mesmo é o gosto que se tem pela ideia elaborada.

Assim, de lá fica a associação das escuderias tentando identificar quais novos problemas hão de sugeir daqui por diante no mundo da Fórmula 1. De cá fico eu, atônito, contemplando os meu livros já não tão "novos" como antes, apesar do zelo e do cheiro de papel recém-comprado.

Luciano Borges
Escritor e Professor
lb.letras@gmail.com

Eu Tenho um Sonho


O artigo de hoje, caro leitor, tenta estabelecer uma relação entre o livro/filme “O Diário de Anne Frank” e a mais recente obra do autor Khaled Hosseini, intitulada “A cidade do sol” – o mesmo autor de “O caçador de pipas”.
Recentemente assisti junto dos meus alunos ao filme “Escritores da Liberdade”, com o intuito de incentivá-los a lerem literatura. Todos eles adoraram, uma vez que o enredo estimulava os alunos do filme a escreverem um diário que retrate o cotidiano trágico de suas vidas. Vale dizer que a classe no drama em questão era a mais heterogênea possível, porque havia nela várias etnias reunidas.
Em um determinado momento do filme, vários alunos são mostrados lendo trechos diferentes de O Diário de Anne Frank... E um, em especial, me chamou atenção. Anne Frank escreveu: “Sábado, 20 de junho de 1942 – A partir de 1940 foram-se acabando os bons tempos. Primeiro veio a guerra, depois a capitulação, em seguida a entrada dos alemães. E então começou a miséria. A uma lei ditatorial seguia-se outra; e, em especial para os judeus, as coisas começaram a ficar feias. Obrigaram-nos a usar a estrela e a entregar as bicicletas, não nos deixavam andar nos carros elétricos e muito menos de automóvel. Os judeus só podiam fazer compras das 3 às 5 horas – e só em lojas judaicas. Não podiam sair à rua depois das oito da noite e nem sequer ficar no quintal ou na varanda. Não podiam ir ao teatro nem ao cinema, nem frequentar qualquer lugar de divertimentos. Também não podiam nadar, nem jogar tênis ou hóquei, nem praticar qualquer outro desporto. Os judeus não podiam visitar os cristãos. As crianças judaicas eram obrigadas a frequentar escolas judaicas. Cada vez saíam mais decretos... Toda a nossa vida estava sujeita a enorme pressão"(p.06).
Terminado o filme, não me foi possível deixar de pensar num trecho do livro “A cidade do sol” e relacioná-lo com o que havia acabado de assistir. No livro de Khaled Hosseini, que retrata um dado momento do Afeganistão, na página 245, diz: “É proibido cantar, dançar, jogar cartas, xadrez, fazer apostas e soltar pipas. É proibido escrever livros, ver filmes e pintar quadros. Quem possuir periquitos será espancado, e os pássaros, mortos... Não é adequado a uma mulher circular pelas ruas sem estar indo a um local determinado. Quem sair de casa deverá se fazer acompanhar de um parente do sexo masculino. A mulher que for apanhada sozinha na rua será espancada e mandada de volta para casa...”
A liberdade, caro leitor, é a capacidade de se decidir, ou agir segundo a própria determinação. Entende-se também como a faculdade de praticar tudo o quanto não é proibido por lei. Do mesmo modo, é a ausência de opressão considerada anormal, ilegítima e imoral. Ora, se são os homens que promulgam as leis, coitado daquele que por força do seu pensamento consegue sobrepor um texto a outro; que por seu intelecto, a partir da leitura de inúmeros outros livros, consegue pensar por si mesmo e discernir uma boa ação de uma ruim.
Será que uma coisa horrível como o holocausto poderia voltar a acontecer? Acredito que sim... quando ninguém mais puder sair de casa desacompanhado, visitar outra fé religiosa; estar proibido de cantar, dançar e escrever livros; quando por falta de livros a humanidade não puder vir a saber das iniquidades de seus antepassados – até como forma de não repeti-las.
É, eu tenho um sonho...

Luciano Borges
Escritor e Professor
lb.letras@gmail.com

Sobre Ouvir e Falar

“Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma”. Foi Rubem Alves certa vez quem, ao se utilizar de uma paráfrase, explicou com outras palavras uma mesma idéia dita por Alberto Caeiro no que diz respeito ao verbo ouvir: “A gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com alquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor”.
Gostaria de acrescentar às ideias acima, para que o raciocínio não se perca, a seguinte historinha – que ouvi da tradição oral – e que agora aqui vai, do mesmo modo, na forma de uma paráfrase: “Certa vez Deus que, como Grande Arquiteto do Universo que é, ao tentar estabelecer uma conformidade com o real, criou um espelho e ali depositou toda a Verdade. Tudo o que era verdadeiro e certo, franco e sincero, exato e fiel. Depois da obra criada, Ele deixou que ela caísse na Terra. Com o impacto, o espelho que continha toda a Verdade do mundo se fez em inúmeros pedaços. Os homens, ao perceberem o ocorrido, correram até os cacos e cada qual tomou para si uma parte do espelho. Desde então, a criatura humana tem afirmado que naquele pedaço que carrega contêm toda a verdade a respeito de qualquer assunto.
Manter a alma em silêncio quando a verdade como fato pode ser eventual e incerta, na medida em que em muitos casos só pode ser conhecida pela experiência, é algo quase humanamente impraticável. A meu ver, caro leitor, é preciso que se aceite esta ocorrência, a de que acontece mesmo um diálogo dentro de nós enquanto conversamos com outra pessoa.
O difícil mesmo é deitar uma descansada consideração ao que o outro diz. Porque na maioria dos casos, o nosso narcisismo nos impele a contemplar – dar mais importância – a voz que reverbera em nossa mente através daquele pequeno caco, no qual acreditamos conter toda a verdade do mundo.

Luciano Borges
Escritor e Professor
lb.letras@gmail.com