Sherlock Vive

Elementar, meu caro. Sherlock está de volta, mais disponível do que nunca, ao imaginário mundial. O clássico britânico de Sir Arthur Conan Doyle retorna aos cinemas pelas mãos de Guy Ritchie. E neste frenesi, vários jornalistas já começaram a escrever sobre o filme. Como Jotabê Medeiros que nos reporta um herói que parece mais o da literatura do que habitualmente. E vai além, ao dizer que os contornos do personagem traem menos a figura criada há 123 anos, afirmando que a novidade está no toque do gênero de ação.

Minha relação de amizade com o primeiro super-herói da história é bem antiga, caro leitor. Remonta à época em que eu era apenas um garoto em meu primeiro emprego, no recém criado Procon (Órgão de Defesa do Consumidor) aqui em Barretos. Consta que certa vez, após ter assistido ao filme "O Enigma da Pirâmide", fiquei fascinado pelo personagem. Não acreditava que houvesse pessoa mais inteligente nesse mundo. Ele era simplesmente brilhante. E como o Procon ficava a duas quadras da Biblioteca Municipal de Barretos, eu sempre estava lá procurando uma nova obra sobre o detetive. Devorava um livro após o outro; li todos os que haviam na biblioteca. O fato é que desde então nunca mais deixei a companhia dos livros.

As aventuras sobre o detetive mais inglês da história da literatura mundial fizeram-me o escritor que sou hoje. Tenho consciência disso. Nunca disse isso a ninguém, e se disse, o fiz a poucos. Foi a partir da obra "Um Estudo em Vermelho", livro que deu início às histórias sherlockianas, que melhorei meu vocabulário, aprendi a descrever um sentimento ou uma pessoa. Em outras palavras, fez por mim o que nenhum professor foi capaz de fazer: dar asas à minha imaginação. A meu ver, muito mais que um direito, todo jovem deveria ter contato com uma obra bem escrita, de sua escolha, como eu tive.

Sherlock Holmes e seu fiel escudeiro Watson são considerados raridades entre personagens da ficção; personagens que ficaram mais famosos que seu criador. E se você nunca foi apresentado a Sherlock Holmes, caro leitor, aqui vai uma breve descrição, do próprio autor, Sir Arthur Conan Doyle: "Tinha o nariz delgado, aquilino, emprestava à fisionomia um ar de vigilância e determinação. Também o queixo, saliente e quadrado marcava o homem decidido. Suas mãos estavam sempre manchadas de tintas e produtos químicos, mas mostravam uma extraordinária delicadeza de toque enquanto manipulava seus frágeis instrumentos de alquimista... Pouco modesto, ausente do convívio social, sem companhia feminina, violonista esforçado nas horas vagas, aficionado da literatura sensacionalista, esgrimista e boxeur...".

Robert Downey Jr., ator escolhido para viver Sherlock Holmes nas telas de cinemas pelo mundo, não corresponde exatamente à descrição da literatura. Todavia a crítica tem sido muito favorável ao filme, por entender que ele combina muito bem a ação americana à sagacidade do cinema inglês. Seja como for, em caso de decepção audiovisual, a boa notícia é que os livros ainda continuam disponíveis e merecem ser lidos. Até porque quem é que já não ouviu a máxima de que os livros são muito melhores (superiores mesmo) do que qualquer filme já realizado. Pense nisso.


Luciano Borges/ Professor de Comunicação e Escritor

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Tecendo o Destino

Desejamos muitas coisas no fio do tempo de nossas vidas. Coisas que nos serão necessárias, outras pelas quais lutaremos com afinco por pura vaidade. E na medida em que vivemos esta odisseia, a nossa história também vai sendo escrita, não em meros livros, que envelhecem de tal modo que sedem a passagem do tempo que os deteriora. Ao contrário, tais histórias seguem sendo escritas dentro de cada um de nós, entre o dia e a noite, entre a luz e as trevas, entre o choro e o riso, entre o ganho ou perda da qualidade de vida. Não importa. Seguimos respirando, manipulando um fio ou muitos por vez; elaborando cada passo a diante, tecendo ou cortando estes mesmos fios. Em suma, vivendo enquanto estamos vivos.

Quando na vida adulta temos que pensar por nós mesmos e com isso escolhermos os nossos caminhos, estamos elaborando "na roda da fortuna" de nossa mente um fio que nos levará a um possível destino. Uma vez elaborado, imaginado, o fio ainda precisa ser tecido, ato que nos leva do planejamento à execução. O fio após sua concepção pode ou não ter vida longa. Depende apenas de como e quando iremos nos decidir por cortá-lo.

Imagine que você está querendo ver um filme. E isso é o mesmo que elaborar um possível destino. Ir buscá-lo na locadora significa passar do planejamento à execução. Em outras palavras tecer o fio. Mas no trajeto até a locadora você muda de opinião e desiste de ir apanhar o filme. Esta simples decisão termina por cortar o fio de um provável destino, que seria o de assistir a um filme de sua escolha.

Na mitologia contada pelos gregos há três irmãs que controlam o destino de homens e deuses. As tecelãs do destino: Cloto, Láquesis e Átropos, damas sombrias da literatura clássica. Cloto é a que tece, a que manipula e estimula o fio a iniciar sua trajetória na vida. Láquesis avalia os compromissos, as provas e as dores que caberão a cada ser vivo. Átropos, por sua vez, é aquela que tem o poder de cortar o fio da vida com sua tesoura encantada.

Eu não sei a sua opinião, caro leitor, mas tenho comigo que também a nós pobres mortais nos foi dado algum poder sobre o destino que nos aguarda. Ainda que este (poder) seja uma composição de estrofes não simétricas. Ainda que estejamos conscientes dele ou não. Ainda que não tenhamos habilidades em lidar com a "roda" ao tecer os fios.

Acreditar que não possuímos algum controle sobre o nosso destino, a meu ver, seria um erro tão ingênuo quanto confiar que este "poder" também é ilimitado.


Luciano Borges / Professor de Comunicação e Escritor

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