Amigo Secreto

Recentemente, participei de uma confraternização em que experimentei várias emoções. A gerente fez questão da reunião. Não apenas para falar dos assuntos administrativos, resultados e metas da Unidade. Mas como plano de fundo para uma das reuniões, a meu ver, mais importantes do ano. Sim, porque é nesta reunião, antes do recesso para o Natal, em que a equipe toda se reuni. Oportunidade esta em que aproveitamos para trocar presentes de uma forma diferente do habitual “amigo secreto”, mas que no final cumpre o seu papel.Este “amigo secreto” a que me refiro, em nossa reunião de confraternização, assume outro nome: “Troca Trecos”. A dinâmica da brincadeira é bem simples: todos são orientados a se reunirem em um determinado dia, horário e local, trazendo um presente. Até aí muito parecido com o “amigo secreto”, no entanto, no Troca Trecos, você não sabe o nome da pessoa que receberá o seu presente. Muito menos o sexo do indivíduo. Outra regra importante, é que todos os participantes deverão escolher um cartão, a partir de um saquinho cheio deles, contendo um número e uma mensagem que posteriormente será lida para os demais. Assim, quando todos estão com o seu número em mãos, aquele que dentre todos tirou o número 1 começa a brincadeira. A pessoa vai até uma mesa e de lá retira um presente. O presente é então “descascado”, e o seu conteúdo revelado a todos. Caso a pessoa goste do presente, ela ficará com ele. Caso não goste poderá trocá-lo, na sua vez, com outra pessoa que já havia antes retirado da mesa outro presente. Acontece que saí com o número 33 e tive que esperar até a minha vez. Os presentes eram os mais variados possíveis. Contudo, um em especial me chamou a atenção. Tratava-se do livro A Cabana, do escritor William P. Young. Obra que levanta um questionamento atemporal: se Deus é tão poderoso, por que não faz nada para amenizar o nosso sofrimento? O fato é que os meus olhinhos verdes brilharam quando eu vi que havia dois livros da mesma obra (A Cabana). Sorri por dentro e pensei: “as minhas chances acabam de aumentar”. E quando a minha vez chegou. Fui até a mesa e peguei o primeiro presente que encontrei. Abri e o revelei a plateia. Tratava-se de uma agenda. Houve um burburinho aqui e ali por causa da dita agenda, mas o burburinho aumentou mesmo quando anunciei que iria trocar o meu presente. Houve um minuto de suspense. Caminhei pela sala. Notei rostos não muito contentes, como também aqueles que realmente estavam felizes com o presente em suas mãos. Estes últimos, certamente, se chateariam caso lhes confiscasse o objeto de seus desejos. E, claro, isso realmente aconteceu. Pois, logo passei a agenda que estava em meu poder em troca do tão cobiçado livro. Sentei-me em meu lugar muito feliz pela conquista parcial do livro. Contudo, logo experimentei uma grande angústia. Sim, porque alguém poderia, na sua vez, solicitar a troca e ficar com o meu presente. A cada anúncio, o meu coração dava saltos. Até que não restou mais ninguém e pude crer que o livro por direito, dali por diante, seria meu. Sorri uma vez mais, agora grato com a conquista. Mas, não demorou muito, apenas o tempo de chegar em casa, e uma reflexão logo me roubou parte da alegria. A de que só fiquei com o livro porque poucos se interessaram por ele. Talvez isso tenha acontecido porque hoje os tempos são outros. Tempos de correria, de inúmeras mídias, e de uma avalanche de informações diárias a que somos submetidos: jornais, revistas, e-mails, comunidades virtuais, blog, twitter e a lista é grande. O que influi de forma contundente no interesse e na leitura de obras literárias... E eu me aproveitei disso de certa maneira, ao me beneficiar desta triste realidade.

Luciano Borges / Professor e Escritor / lb.letras@gmail.com
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Fotografia

Dias desses alguém próximo me perguntou se eu tinha saudades do meu pai. Olhei para ela tentando imaginar o motivo da pergunta. E ela logo esclareceu que havia sabido através de uma pessoa que meu pai abandonara a família, quando eu e meus irmãos éramos pequenos. A minha resposta não demorou, disse-lhe que não. As palavras saíram tão naturais que a pessoa logo se convenceu.
Chegando em casa senti uma vontade de mexer em algumas fotos antigas. Não demorou muito e encontrei a foto de um grande amigo, bateu aquela saudade. Depois outra com a turma toda. E a saudade apertou ainda mais. Dei uma longa e gostosa risada. Daí pensei na pergunta que me fizeram pela manhã... É, não sinto nada por ele.
Ah, mas a saudade dos amigos me apertou o coração. Sei lá, talvez seja estes tempos, final de ano. As lembranças dos inúmeros natais juntos. É difícil de dizer.
O fato é que hoje se saio de casa logo sinto saudade dela, principalmente quando olho para o horizonte esfumaçado do alto de algum prédio... No passado, minha casa possuía três quartos para quatro pessoas e os cachorros. Sinto saudade daquela também, porque ali vi crescer a minha consciência toda. Mas, não tenho saudades dele.
Tenho saudades daqueles rostos que convivi em criança, daqueles que amei com ternura, alguns sem muita eficiência, na minha adolescência e, mesmo assim, a grande maioria deles na sua totalidade. Ora, se tenho saudades. Tenho. Mas não dele...
A maioria dos meus amigos de ontem e de sempre já estão casados, morando em outras cidades, enquanto eu fico aqui, olhando para algumas fotos e recordando as trapalhadas, as encrencas, o primeiro beijo, as festinhas, as meninas que detestavam rock, armas e rosas. É difícil dizer adeus a tudo isso. Não dá para apagar, não dá para substituir. É como na canção: “...cada memória é como sair pela porta dos fundos”.
Guardo saudade dos meus cachorros, de todos eles: do Sultão, da Rani, e, mais recentemente, do Marujo... Mas não dele.
E o meu irmão, que levarão tão cedo, dizendo: “antes ele do que eu”. Agora, amargam ao sol nascendo quadrado e a marra se dissolvendo num quarto diminuto, enquanto se lembram minuto a minuto da tocaia que fizeram.
Seja como for, credito na sentença de que a vingança só é válida e “minha” se dita por Deus.
Em verdade, tenho saudade do meu irmão caçula; daquele ingênuo, inconsequente, que a malícia de outra gente envolveu. Talvez ele tivesse sentido, enquanto crescia, saudades do pai que não teve. E até chorasse ao revê-lo, depois de tanto tempo do abandono. Mas não eu. Não hoje. Senti-me abandonado tempo demais. E talvez, agora, tenha encontrado algum conforto em tanta ausência.
Para mim saudade é como ouvir uma voz, de memória. E se alguma se cala muito cedo, por mais que se tente, chega um tempo que não se consegue mais ouvi-la. Talvez, por isso, eu não sinta mais saudades dele.
Fica aqui essa fotografia. Um momento congelado no tempo. Um registro fiel de mim.

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Crepúsculo - Lua Nova

Nesta semana assisti ao filme “Lua Nova”, que continua a saga iniciada por “Crepúsculo”. O primeiro título criado por Stephenie Meyer saiu em 2005, nos Estados Unidos. No Brasil, o livro chegou apenas em 2008. Isto é, somente 3 anos depois. Eu mesmo apenas fiquei sabendo deste fenômeno de vendas este ano, pelos corredores do colégio em que trabalho, enquanto alguns alunos desfilavam com um livro negro, cuja capa frontal evidenciava uma maçã suculenta amparada por mãos femininas. E eu tinha que saber mais a respeito. Ler o que a garotada está lendo. Entender esse interesse. Inclusive na biblioteca do colégio ainda há lista de espera.
Uma saga é por excelência uma história cheia de incidentes. E o que não falta à narrativa é aventura. Afinal, a trama tem como protagonistas um casal um tanto quanto diferente: uma adolescente comum, quase sem sal, sem açúcar e um... vampiro.
Há certamente um tempero sedutor no enredo criado pela autora. Em que situações verossímeis, que parece verdadeiro, surgem de um momento a outro. E os exemplos não são poucos: quem nunca se mudou, saiu de um lugar que conhecia e precisou começar tudo de novo; fazer amigos novos e no processo se apaixonar por aquela dita pessoa, que na sua opinião de tão diferente, você jura que nunca conheceu ninguém como ela. Pessoa essa que você fará de tudo ao alcance para permanecer com ela. E chorará muito quando ela partir o seu coração, ao dizer que tudo acabou...
A atriz Kristen, que encarna a “heroína” Bella, ao ser questionada sobre o fenômeno, disse que o muito do sucesso tem a ver com o estilo voyeurista da história. Uma vez que a narrativa é muito íntima e pessoal, “como se você tivesse tropeçado no diário de alguém”. Kristen vai mais longe ao dizer que a história “...detalha o que a garota está pensando a cada segundo, suas obsessões e fixações...”.
Não posso dizer muito acerca do segundo filme. Até porque, caro leitor, você pode ainda não ter lido ou sequer assistido ao tão esperado título “Lua Nova”. Narrar o que assisti seria como repetir aos quatro ventos: “O mocinho morre no final. O mocinho morre no final!”. No entanto, não posso resistir. Porque me sinto na obrigação de elogiar a autora, que ao sobrepor na sua história outra que já fez chorar pessoas no mundo todo, consegue algo muito importante: criar uma intertextualidade sutil; um texto a partir de outro.
Ouso dizer, e muitos podem até achar que exagero ao fazê-lo, que Edward (o belo vampiro) e Bella (a introspectiva adolescente) são no presente, o que no passado representou o casal Romeu e Julieta. Amantes que comoveram multidões. Eles que aos olhos do mundo não podiam ficar juntos. E que sofreriam por isso. Por suas teimosias. Para terminar, aqui vai uma dica: assistir aos filmes pode até ser bom, e certamente lhe dará prazer. Mas ler. Ler da primeira a última página, sentido o cheiro do papel, é melhor ainda. Pense nisso!

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Empreendendo um Sonho

O Empreendedor, segundo o Aurélio, é sempre uma pessoa ativa, arrojada. Outras definições dizem respeito a todo aquele que demonstra possuir atitude empreendedora. Mas o que é isso? Tem a ver com o profissional que compreende a relação entre riqueza, valores e ética. Alguém que entenda que sua ligação com o mundo precisa acontecer de forma sustentável, ao agir invariavelmente com responsabilidade social.
Se alguns o invejam outros tantos o admiram. O Empreendedor é aquela dita pessoa da carta escondida na manga, do plano de ação permeado de criatividade; da inovação inteligente; do risco nem sempre suave, mas calculado. É sem dúvida um sujeito politizado, bem relacionado, preocupado em passar uma imagem que seja idêntica a que ele próprio tem de si mesmo. E que entre metas e resultados, sonhos e paixões, como visão de futuro, sobretudo, sabe que nada sabe. Por isso a constância, o vigor em atualizar-se.
Eu tive um sonho uma vez. Um que não demandava construir máquinas, erguer prédios, ou mesmo adquirir o que quer que fosse mediante uma boa soma de dinheiro: há alguns anos eu tinha muita dificuldade de falar em público. Eu queria conseguir falar com naturalidade, sem tropeços, sem travar. Foi então que procurei livros sobre o assunto. Estudei-os com cuidado, e, quando me senti confiante, decidi testar os conhecimentos que havia adquirido. Na verdade sabia que precisava praticar. Afinal, a prática leva à perfeição... Não demorou muito e consegui um contato com a Secretaria de Educação de Barretos, e me coloquei à disposição como voluntário. O meu objetivo era me apresentar para alunos das escolas públicas e assim praticar a oratória. No entanto, tiveram outra ideia. Convidaram-me a ministrar palestras sobre as estratégias de como falar em público a professores da rede municipal. E assim foi. Depois disso me graduei em Letras e nunca mais parei com minhas apresentações.
Hoje os títulos de minhas palestras não incluem apenas a Oratória. Ampliei consideravelmente o leque na área de comunicação oral e escrita, (Redação Empresarial – Como Montar Apresentações Profissionais – Como Administrar o Tempo na Comunicação, entre outras) na medida em que aprofundei os meus estudos. Moral da história: caso você, caro leitor, identifique uma competência ainda por desenvolver. Empreenda! Inove. Transforme-se. Não tenha medo e siga em frente. Ninguém nasce pronto, concluído ao ponto de não precisar aprender mais nada. Lembre-se: os homens são os únicos sobre a face da terra que têm consciência de que podem melhorar a si mesmos, ajudar os outros e o lugar onde vivem.

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Pessoas São como Tintas. Situações como Folhas

História. Muitos de nós não se dão conta de que a cada página virada no livro da vida, a cada dia de respiração e transpiração, o homem “escreve” a própria história.
Certa feita, quando do lançamento do meu livro mais recente, “Motivação e Poesia na Gestão de Pessoas”, um humorista da tevê local me fez a seguinte pergunta: “Faça um balanço do ano de 2008”. Confesso que fiquei aturdido na ocasião com a pergunta. Aliás, o que tinha a ver o balanço de todo um ano com o lançamento do meu segundo livro de poesias, em parceria com o consultor motivacional Itamar Alli? Lembro que encarei o humorista tentando buscar alguma explicação na sua fisionomia. Mas, o peralta manteve-se firme e me encarava a sério. Pilhéria, galhofa e zombarias a parte, foi depois de alguns dias que assisti à famigerada gravação do programa; eles haviam retirado na edição tudo o que falei, e colocado uma música super engraçada no lugar. Nem preciso dizer que quase morri de rir de mim mesmo. Foi um mico, digamos, diferente; daqueles que se sente prazer ao participar...
Aqui um pequeno parêntese: a palavra história no português tem o mesmo número e sílabas (­idênticas) que no grego e no latim. Contudo, em grego o acento agudo é no “i” e no latim, não há acento algum. História, no dicionário, é toda narração metódica dos fatos notáveis ocorridos na vida dos povos... Acredito muito nesta definição que o Aurélio nos apresenta, mesmo porque a história de um homem não pertence apenas a ele. Em verdade, a história de uma pessoa é uma miríade de encontros e desencontros; um emaranhado de relatos; informações sobre o que somos e como os outros nos veem. Também é uma narração, como disse a pouco, de fatos notáveis.
...É certo que retiraram o áudio da minha entrevista, caro leitor. Contudo, para o caso de ter ficado curioso, vai aqui o que disse muito seriamente aos humoristas. Comentei: “Dois mil e oito foi o ano em que lancei o meu primeiro livro com toda a pompa e no local que havia sonhado”. Inúmeras pessoas ajudaram a viabilizar o livro, para que o rebento viesse à luz; tratava-se de um projeto complexo e inédito em nossa região: um livro áudio. Sou muito grato a todas as pessoas que de alguma forma contribuíram. Realmente, um fato notável em minha vida. Mas, 2008 me reservava outros “fatos notáveis”, como a compra da minha casa, o meu cantinho, assim como a experiência de viver uma formatura; tornava-me, então, um professor.
Se ao acordamos começamos a escrever mais uma página de nossas vidas, bendito é aquele que se dá conta do livro que escreve. O que realmente importa é que não deixemos mais que algumas poucas folhas em branco; seja ele (o enredo) notável ou não. Até porque a meu ver, caro leitor, pessoas são como tintas e, situações, como folhas.

Luciano Borges / Escritor e Professor – lb.letras@gmail.com

Imagem Também é Comunicação

A maioria das pessoas, principalmente os nossos jovens, desconhecem o fato de que uma fala repleta de gírias e modismos influenciam na imagem que as pessoas terão dela. O que dificultará muito uma boa posição no mercado, ou em uma entrevista de trabalho. E me desculpem se irão se incomodar, com este artigo, os mais fervorosos linguistas que semeiam a crença de que na fala tudo é válido, simplesmente porque a língua é viva. Concordo que a língua portuguesa seja mesmo viva. Está aí o gerundismo até para quem sente horror ao ouvir. Mas, discordo com a ideia simplista do “vale tudo” na língua falada. E para ser um pouco mais pontual sobre este assunto, caro leitor, vou lhe contar uma passagem que aconteceu comigo...
Dias desses atendi a um telefonema, a pessoa do outro lado da linha era por mim completamente desconhecida. Em outras palavras, não dispunha de qualquer informação a respeito dela. E, acredito, tampouco que ela de mim, afora a informação de que eu seria a pessoa com quem ela deveria tratar um assunto comercial. Fato é que a tal pessoa, disse bem assim, na lata: “Como é nego veio, cê ta bom?”. O sujeito falava como se eu, do outro lado da linha, tivesse algum problema de audição, tamanho o vigor ao pronunciar as palavras.
Num primeiro momento tentei reconhecer a voz. Talvez fosse algum amigo brincando comigo, pensei. Mas a busca pela memória foi em vão. Nunca havia ouvido aquela voz seca e estridente. Aliás, fiquei ainda mais intrigado, quando o tom da conversa caminhou para um assunto de trabalho, que consensualmente deveria se dar num clima mais formal. Todavia, o rapaz, o meu interlocutor, parecia que me conhecia a décadas, como se tivéssemos crescidos juntos, experimentado, como melhores amigos, as dores e benesses da infância e da adolescência.
Certamente na ânsia de ser o mais extrovertido e carismático possível, o homem com quem eu falava pecou pelo exagero. São estes pequenos detalhes, a atenção a eles, que faz toda a diferença em uma conversa que num primeiro momento deveria ser formal. Isto é, o diálogo deveria acontecer num tom mais agradável, nem alto, nem baixo demais, e sem o uso de gírias ou jargões. Mesmo porque se está tratando de assuntos de trabalho com um completo desconhecido. E o uso de uma falsa intimidade bem como de gírias não vão causar, quanto mais deixar, uma boa impressão. Tal situação não seria muito diferente de você, caro leitor, ir a um casamento, por exemplo, de chinelas, bermuda e camiseta cavada. Fatalmente as pessoas iriam reparar em você e desaprovar a sua atitude, mesmo que este fosse o seu meigo e natural jeito de ser. Lembre-se, fale o mais claro possível. Mas não fale de qualquer jeito; a forma de uma pessoa se comunicar diz muito sobre ela.
O importante é que todo falante cuide de sua imagem também através da fala. Afinal uma boa imagem, como nos ensina o dito popular, vale mais do que mil palavras.

Luciano Borges / Escritor e Professor

Comunicação - Competência Indispensável

“Nunca antes, na história deste país”, a comunicação se mostrou tão necessária para o desenvolvimento de pessoas, instituições e até mesmo de um país.
Uma revista especializada no desenvolvimento de pessoas, em publicação recente, divulgou em sua capa: “...o principal desafio para crescer na carreira hoje é se comunicar direito”. Em suma, a comunicação se tornou uma competência indispensável àqueles que estão no mercado de trabalho. Não importa se você está empregado ou não; ser espontâneo, ter empatia pelas pessoas, assim como prazer em ouvi-las, estão entre as principais dicas para se vencer na vida através da comunicação.
Como professor graduado em letras, aflige-me a ideia de que a maioria das pessoas não consegue articular seus pensamentos no papel. Afligi-me mais ainda quando professores de comunicação dizem a torto e direito que não se deve levar tanto a sério a língua falada, uma vez que esta é viva... Mas, não ter atenção ao modo como se fala pode lhe tirar sim uma vaga importante no mercado de trabalho, ou impedi-lo de se manter nele. É evidente que a língua, o nosso português, é vivo. Contudo, expressar-se de qualquer jeito tira o direito dos menos favorecidos à ascensão social. Inúmeras pessoas não entendem o porquê de não conseguirem um bom emprego; simplesmente desconhecem que na sua fala há inúmeros ruídos, tais como: gírias, jargões, modismos. Ruídos estes que atrapalham a comunicação. Hoje em dia necessita-se falar o mais claro possível, levando-se em conta a faixa etária do seu interlocutor, ou seja, a idade da pessoa a quem você se dirige. Não entender isso, é ficar a deriva em um grande mar de ruídos.
O que encontro com relativa frequência, atuando como revisor, são textos muito difíceis de ler e entender; parece que os pensamentos de alguns autores se perdem, tanto entre vírgulas e parágrafos mal colocadas, quanto na aridez insipiente do vocabulário utilizado no texto. Do mesmo modo, como professor de língua portuguesa, deparo-me constantemente com textos de alunos que não conseguem contar o que lhes passa na mente, observe este trecho: “Minhas escolha que eu escolhi para nos e mais fasil um seminário por fasil um exercícios em sala de aula”. Acredite, essa foi a resposta construída por um aluno quando inquirido sobre as algumas formas de avaliação.
“Um país se faz com homens e livros” — como tão bem colocou Monteiro Lobato. Contudo, acredito que este importante autor brasileiro se referia a homens que conseguissem interpretar os textos dos livros. E, interpretando estes mesmos livros, serem capazes de escreverem outros; colocar no papel o curso de seus pensamentos... Penso que o maior desafio hoje dos educadores não seja apenas capacitar os nossos filhos, torná-los técnicos. Mas, mais que isso, torná-los comunicadores eficientes, quer pela fala, quer pela escrita.

Luciano Borges / Escritor e Professor

Pandemia de Vírus e Pessoas

Pandemia é uma palavra grega que faz referência no português aos vocábulos “tudo” e “povo”; significa que uma doença epidêmica se espalhou amplamente; que ela surgiu rapidamente em um lugar e acometeu, dentro de um período de tempo, grande número de pessoas.
Uma pandemia pode começar, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), quando alguns fatores se reúnem como, por exemplo, frente ao aparecimento de uma nova doença à população. Doença essa em que o agente infecta humanos e se espalha entre eles de forma sustentável, causando doença séria. A humanidade já enfrentou inúmeras pandemias em sua história. Há inclusive registros de epidemias que aniquilaram cidades inteiras (febre tifóide, varíola, peste bubônica, cólera, tifo...).
Nos últimos tempos, temos visto correr o país uma verdadeira “pandemia” das águas. Enchentes que inundam casas até o teto de Norte a Sul do Brasil, devido às fortes chuvas que se acumulam e faz transbordar rios e lagos. Tais enxurradas por onde passam, levam consigo não somente os bens materiais, mas essencialmente os sonhos e um número sem conta de vidas humanas. Águas que arrastam tudo à sua frente: redes elétricas, estradas, paredes, utensílios domésticos – assim como um grande volume de terra que ora ou outra enterra famílias inteiras... Enquanto homens e a atmosfera enlouquecem, o clima segue gritando a plenos pulmões, a mais de 100 quilômetros por hora, vergando no seu caminho árvores de todos os tamanhos que caem sobre carros que na maioria dos casos não têm seguro.
Não bastasse a pandemia viral ou atmosférica, outro dia assisti consternado a uma endemia diferente: pessoas eram expulsas de suas casas como fossem doença séria, que pela suas existências constantes e característica de ocuparem determinados locais, dentro de um período de tempo, necessitavam ser erradicadas. Fato é que pessoas humildes sem terem como comprar um terreno construíram suas casas em chão alheio. Resultado: expedida a reintegração de posse, não importava o desespero de velhos ou crianças, sequer a condição de “não ter para aonde ir”, todos eles viram suas casas serem demolidas, tijolo após tijolo, diante de seus olhos marejados. Olhos marejados na angústia de não vislumbrar adiante a menor perspectiva, na medida em que assistiam indefesos poderosos tratores, tal como fortes enxurradas, destruírem num minuto o que se levou meses a construir.
Diante do referido aqui, caro leitor, tive o meu momento de introspecção. E, reduzido ao tamanho de um vírus, dei graças: quer pelo teto próprio sobre minha cabeça, quer pela saúde que ora derramo na forma de letras sobre este “papel”.

Luciano Borges / Escritor e Professor

Sob o Olhar do Medo

O medo é um sentimento de grande inquietação. Está muitas vezes ligado a um perigo real ou imaginário. Tem a ver com alguma ameaça... Diante do medo podemos sentir pavor, temor, terror.
Diante do medo, astros do cinema como Jackie Chan caem em descrédito ao afirmar: “Estou começando gradualmente a sentir que os chineses precisam ser controlados”. Desnecessário dizer que esta declaração gerou grande celeuma na China – neste que é o país mais populoso do mundo (cerca de 1 bilhão e 350 mil pessoas). Esteja Jackie Chan certo ou não, sejam quais forem os motivos que o levaram a afirmar o que disse, ele teme algo... real ou não.
Lendo o livro “A Cidade do Sol” do escritor Khaled Hosseini — mesmo escritor de “O Caçador de Pipas” – fiquei sensibilizado por uma passagem na obra, na qual uma das personagens, sob uma burca (veste negra usada em público por algumas mulheres muçulmanas, que envolve o corpo, inclusive a cabeça), agradece a Deus por ali estar. Longe dos olhos inquiridores de outras pessoas. Sob a burca, uma mulher está protegida, anônima numa multidão entre iguais. Não estou aqui, caro leitor, com esse comentário tentando fazer qualquer juízo de valor. Afinal, a cultura de um povo é sagrada, assim como a fé. O que trago para a discussão não é o uso da burca em si, mas o medo da citada mulher de enfrentar o mundo fora dela.
No livro “Ensaio sobre a Cegueira”, do escritor e poeta José Saramago, há uma menção forte sobre o medo do homem diante do fato de não poder mais enxergar um palmo diante de si. É um relato contundente, apesar de ficcional, de como o medo pode arrancar do homem a razão, destituindo-o de sua civilidade.
Há quem acorde inúmeras vezes durante a noite. Não porque não tenha sono. Não que não haja cansaço físico... É a preocupação a amofinar a alma. Muitas vezes este sofrimento moral se dá por antecipação, diante de situações que pouco se pode realizar. Pelo simples fato de que... depende de outras pessoas. E assim o corpo acompanha o espírito, pelo caminho do desgaste através do medo.
Hoje se tem medo até de colocar o lixo na rua, porque antes que o serviço limpeza pública passe para recolhê-lo, outras almas os espalham pela calçada. Não por farra, mas atrás de algo que lhes possa dar algum lucro.
Assim fico eu aqui, sob o olhar do medo, repetindo para mim uma frase do livro I Ching que diz: “Na ponta dos pés não se fica ereto; a quietude domina a agitação”.

Luciano Borges / Escritor e Professor

Nunca Aceite Ajuda de Estranhos

Depois de Gabriel Garcia Marques com o seu “Memórias de minhas putas tristes”, agora me enveredo na leitura do livro “Ensaio sobre a cegueira” do escritor português José Saramago. Nem havia passado da primeira página ainda, quando entrou porta adentro minha esposa dizendo que tivera uma experiência não muita agradável naquele dia. Deixei o livro de lado e me acomodei melhor no sofá. Não passava ainda das sete da noite e o ventilador do teto não estava ligado em razão da temperatura amena que fazia. Priscila olhava diretamente para mim quando começou a narrativa.
Disse-me que naquela mesma tarde havia ido a um banco no centro, a pedido de sua chefe de setor (a propósito, minha esposa é técnica de enfermagem e universitária do mesmo curso). Até aí tudo bem porque não lhe custaria nada o favor. Ela tinha algumas contas a pagar mesmo.
O banco estava apinhado de gente como sempre. Priscila retirou o bilhete-senha na máquina à direita, logo após a porta eletrônica, e sentou-se com os olhos grudados no luminoso. E entre um apito e outro, que chamava os clientes até o caixa, notou que um homem na casa de seus cinquenta anos, com dificuldades para andar, uma vez que mancava um pouco, já saía do caixa reservado a idosos em razão do seu atendimento já concluído. Mas, qual não foi a surpresa de minha mulher, quando deu por si que o referido senhor, sujeito claro, de olhos azuis, depois de um breve sumiço, estava parado num canto, apreciando o movimento. Mais espantada ainda ficou Priscila no momento em que este homem de meia-idade veio falar com ela. Perguntou-lhe sobre o que ela veio fazer no banco. Minha esposa achou a abordagem um tanto quanto estranha, mas, educada como sempre, respondeu que precisava descontar um cheque. De quanto é o valor, perguntou ele. Cinquenta e três reais, respondeu ela. Façamos o seguinte, atalhou o bem apessoado senhor, você me dá a sua senha para que eu possa chegar logo ao caixa, uma vez que esqueci de pagar uma conta minha, e eu lhe dou em dinheiro o valor do cheque. Assim você e eu não precisamos ficar muito tempo aqui nesta fila. O que acha? Aqui está o dinheiro. Pode conferi-lo, não é falso não. Minha esposa conferiu o dinheiro, reconhecendo que o mesmo não o era de fato; porque analisou a textura da cédula, marca d’água, enfim, tudo que aprendera há tempos sobre o assunto. Disse para si mesma que não haveria mal algum em fazer o negócio. E, aceitando a ajuda do estranho, entregou-lhe o cheque.
Algumas horas depois, a chefe de minha esposa estava ao telefone perguntando se e para quem ela havia passado o cheque... Simplesmente, porque alguém havia adulterado o cheque, mudando o valor de míseros cinquenta e três, para o auspicioso valor de novecentos e oitenta reais – pagos pelo banco ao meliante, 171. Ocasionando prejuízo financeiro, além de uma saia justíssima.
A acompanhei à delegacia da av. 17 para que pudesse verificar se encontrava nas inúmeras fotos do arquivo, o rosto que àquela altura não saía da mente de Priscila. Desnecessário dizer que foi em vão. Além do fato de concluirmos, atordoados, que do arquivo em questão a maioria das fotos era de menores. Segundo pesquisa recente da FGV e do MEC, os nossos jovens não abandonam os estudos pelo interesse em trabalhar, mas unicamente pelo desinteresse na escola tal qual a conhecemos.
Assim, aqui fica registrado mais um dia em que o fino trato e uma lógica destorcida, obtiveram vantagem ilícita, com prejuízo alheio, induzindo ao erro minha esposa, que foi vítima de um ardiloso artifício.

Luciano Borges / Escritor e Professor

A Violência de um Macho

Já faz alguns dias que ouvi de um senhor experimentado uma passagem bem interessante. O senhor em questão, magro e alto, tinha a voz decidida, digna de uma personalidade forte. Contava o causo não para mim, mas para outra pessoa. Na verdade, caro leitor, é que eu tinha os olhos no meu celular e os ouvidos grudados no assunto deles. Até porque virou moda nos refugiarmos no tal aparelhinho todas as vezes que não queremos puxar conversa com desconhecidos. Isto é, falar sobre como o tempo está quente, ou sobre como as chuvas não param etc. Mas, enfim, o fato é que a anedota me interessou. Depois fiquei sabendo o nome do tal senhor, chamava-se Fernando.

Fernando dizia sobre uma passagem da vida dele, quando foi interpelado sobre o fato de ter servido o exército. Quem perguntava havia, do mesmo modo, servido à marinha do Brasil. E, no calor das palavras, o marinheiro disse-lhe: “Que isso sim, era coisa de macho”. Mas espantado ficamos eu e a audiência, que acompanhava o relato, sobre o que falou o enérgico Fernando ao marinheiro: “O que isso tem a ver? Coisa de macho? Me parece que pra você macho é ser valente; daqueles que não levam desaforo para casa; que não hesitam em sair na mão seja lá com quem for... Como aquele garoto, personagem da novela das oito... Eu? Eu sou um homem! Daqueles que gostam de respeito, cortesia e boa educação. O resto, os machos, não passam de cafajestes; de animais do sexo masculino, como nos ensina o bom e velho dicionário”.
Desnecessário dizer, leitor amigo, que fiquei ainda mais interessado no desfecho da história, que não demorou nada, nadinha: “Claro que o marinheiro não gostou do que ouviu. E realmente me disse isso com todas as letras. O que lhe respondi com uma pergunta: como ele gostaria então de resolver a situação; esse desconforto que estava sentido? Resolveríamos à maneira de um homem, ou à maneira de um cafajeste? O marinheiro pensou um pouco e envergonhado respondeu: como um homem, é claro!”.
O que dizer de homens que se realizam como “machos”, simplesmente por serem capazes de constranger fisicamente outra pessoa? A meu ver são tipos violentos que na verdade não amadureceram; comportam-se como brigões e se autoafirmam pelo uso da força. Ao contrário de um homem de verdade que, por acreditar na divergência e na pluralidade de opiniões, procura impor suas ideias lançando mão unicamente de sua inteligência. Uma vez que este notável convence e persuade sem levantar um dedo. Foi o que fez o Sr. Fernando da história acima ao tratar com o marinheiro. Domou a fera apenas com a sagacidade de seus argumentos.
Homens violentos terminam todos como o personagem do mais novo livro de Khaled Hosseini, cujo título é “A cidade do sol”. Nesta obra fantástica da “ficção”, um marido violento só consegue trazer a ruína para si ao espancar, não uma, mas inúmeras vezes as suas mulheres. Sim porque no Afeganistão um homem pode ter mais de uma mulher. A cultura daquele país lhe garante isso. Porém, em qualquer cultura a violência gera violência.Fato é que vivemos a sociedade do conhecimento. E, por acreditar nisso, entendo que vivemos o tempo de olhar o outro e, ao fazer isso, encontrar a nós mesmos.

Luciano Borges / Escritor e Professor

Sobre a Indiferença

São Paulo estava muito diferente desde a minha última visita. Fazia um sol de dar gosto. Seguíamos pela marginal Tietê num vagar letárgico que me dava nos nervos. Parecia que tudo ao meu redor havia sido tomado de u sono profundo. Liguei para o táxi do meu celular com o intuito de não ficar muito tempo esperando na Rodoviária. Olhando a minha volta, as pessoas sequer falavam dentro do ônibus, havia desinteresse, indiferença e uma torrente de apatia no ar. Ligação conluída, senti-me então vencido pelo ambiente, recostei na poltrona em que estava e cochilei uma vez mais...

Despertei com o motorista do ônibus me avisando que havíamos chegado. "Chegamos?" Alarme falso. Pois eu ainda estava muito longe do meu destino. Olhei, então, para o homem engravatado que me encarava, não com muita paciência eu diria. Dava para notar que ele divia estar pensando em palavrões naquele momento. Desculpei-me pelo incômodo. E saí do ônibus um tanto quanto constrangido. "Ele não devi me tratar bem? Ao menos sorrir?"....

O táxi já me aguardava no terminal. Guardei minha mochila no porta-malas e entrei no carro. Mal andamos alguns metros e me bateu aquela vontade de conversar. Perguntei ao motorista: "Quanto até o hotel?". Ele me lançou um olhar triste, em seguida acenou para um pequeno aprelho GPS próximo ao câmbio, do qual pude ler: restam 14 Km... "Mas eu havia perguntado quanto tempo!". Negligência, pensei comigo, é a falsa atenção para com o próximo. Até "meditei" em emendar outra pergunta para ver se puxava conversa, mas achei melhor abandonar a ideia. O taxistas apenas mirava o horizonte, como se a vontade dele chegar fosse maior do que a minha. À porta do hotel, o casmurro, assinou o meu vale-táxi e agradeceu, muito secamente.

Na recepção, outro engravatado revirava alguns papéis ao lado de um computador. Tal era a sua procura que não se deu conta de mim. Olhei chateado para o balcão de um branco imaculado, quando notei uma sineta pequena bem à mão. Não tive dúvidas, deitei-lhe dois tapinhas! com o alarido o homem se assustou, cravando os olhos vacilantes em mim. De certo imaginou: "É um assalto!". Mas não era . Era apenas eu, um simples hóspede faminto por atenção...
He, he, e que mal podia esconder o prazer de pregar uma peça. Ao final da maratona, agora deitado na cama do hotel, refleti sobre os inúmeros desencontros entre ânimos que experimentei na viagem, e, também, sobre como me incomoda a indiferença que algumas pessoas ostentam. E já decidido a não pensar mais nesse estressante assunto, a molecagem que fiz ao recepcionista me surgiu à mente, como fosse um prêmio. Certo é, que voltei a sorrir largamente, completamente satisfeito comigo mesmo. Adormeci sem ver, como nos velhos tempos em que era uma criança peralta.

Luciano Borges
Escritor e Poeta
lb.letras@gmail.com

Sobre a Reforma Ortográfica

Olhei este último domigono para as minhas estantes de livros, e não com o orgulho de antes... É, antes era uma alegria só retirá-los das prateleiras, passar-lhes os espanador para depois alinhá-los um a um nalgum canto, enquanto cuidava em passar um pano úmido nos locais onde estavam. Tratava-se de um ritual que me deixava feliz, como visitar um amigo que não se vê há tempos.

Sabe, leitor, eu possuo um modesto acervo em minha casa. Livros que enchem duas estantes de alto a baixo, e que agora se encontram "desatualizados". Eles não vão mais atender na sua plenitude às necessidades das pessoas que por ventura me solicitarem o empréstimo. E tudo porque, alguns acentos e hífens foram alterados. O professor Pasquale num de sues recentes livros sobre gramática disse: "Não gostei da reforma. Sob o pretexto de unificar a grafia do português nos oito países em que ele é língua oficial e simplificar as normas ortográficas, os pais da Reforma não perceberam que seu custo superará - de longe - seus eventuais benefícios". É, ele e uma gama de linguistas não viram com bons olhos esta mudança.

Quanto a mim, quando me perguntaram esta semana no trabalho sobre o que eu achava da Reforma Ortográfica, uma vez que sou formado em Letras, respondi com outra pergunta: "O que você achou da mais nova mudança na Fórmula 1, que diz respeito ao critério para decidir o campeão da temporada?". Meu amigo não tinha a menor ideia do que eu estava falando. E expliquei: "Que de agora em diante o título ficará para o piloto que vencer mais corridas, e não para quem somar mais pontos'. ele me olhou com uma cara de quem não estava entendendo nada. E uma vez mais esclareci: "Você deve estar se perguntando o que isso tudo tem a ver com a Reforma Ortográfica?". Ora, assim como na Reforma, pegaram uma concepção, desejo, conceito, chame do que você quiser, e disseram: '...agora vai ser assim e pronto'. O que importa se vai mais atrapalhar do que ajudar? O que vale mesmo é o gosto que se tem pela ideia elaborada.

Assim, de lá fica a associação das escuderias tentando identificar quais novos problemas hão de sugeir daqui por diante no mundo da Fórmula 1. De cá fico eu, atônito, contemplando os meu livros já não tão "novos" como antes, apesar do zelo e do cheiro de papel recém-comprado.

Luciano Borges
Escritor e Professor
lb.letras@gmail.com

Eu Tenho um Sonho


O artigo de hoje, caro leitor, tenta estabelecer uma relação entre o livro/filme “O Diário de Anne Frank” e a mais recente obra do autor Khaled Hosseini, intitulada “A cidade do sol” – o mesmo autor de “O caçador de pipas”.
Recentemente assisti junto dos meus alunos ao filme “Escritores da Liberdade”, com o intuito de incentivá-los a lerem literatura. Todos eles adoraram, uma vez que o enredo estimulava os alunos do filme a escreverem um diário que retrate o cotidiano trágico de suas vidas. Vale dizer que a classe no drama em questão era a mais heterogênea possível, porque havia nela várias etnias reunidas.
Em um determinado momento do filme, vários alunos são mostrados lendo trechos diferentes de O Diário de Anne Frank... E um, em especial, me chamou atenção. Anne Frank escreveu: “Sábado, 20 de junho de 1942 – A partir de 1940 foram-se acabando os bons tempos. Primeiro veio a guerra, depois a capitulação, em seguida a entrada dos alemães. E então começou a miséria. A uma lei ditatorial seguia-se outra; e, em especial para os judeus, as coisas começaram a ficar feias. Obrigaram-nos a usar a estrela e a entregar as bicicletas, não nos deixavam andar nos carros elétricos e muito menos de automóvel. Os judeus só podiam fazer compras das 3 às 5 horas – e só em lojas judaicas. Não podiam sair à rua depois das oito da noite e nem sequer ficar no quintal ou na varanda. Não podiam ir ao teatro nem ao cinema, nem frequentar qualquer lugar de divertimentos. Também não podiam nadar, nem jogar tênis ou hóquei, nem praticar qualquer outro desporto. Os judeus não podiam visitar os cristãos. As crianças judaicas eram obrigadas a frequentar escolas judaicas. Cada vez saíam mais decretos... Toda a nossa vida estava sujeita a enorme pressão"(p.06).
Terminado o filme, não me foi possível deixar de pensar num trecho do livro “A cidade do sol” e relacioná-lo com o que havia acabado de assistir. No livro de Khaled Hosseini, que retrata um dado momento do Afeganistão, na página 245, diz: “É proibido cantar, dançar, jogar cartas, xadrez, fazer apostas e soltar pipas. É proibido escrever livros, ver filmes e pintar quadros. Quem possuir periquitos será espancado, e os pássaros, mortos... Não é adequado a uma mulher circular pelas ruas sem estar indo a um local determinado. Quem sair de casa deverá se fazer acompanhar de um parente do sexo masculino. A mulher que for apanhada sozinha na rua será espancada e mandada de volta para casa...”
A liberdade, caro leitor, é a capacidade de se decidir, ou agir segundo a própria determinação. Entende-se também como a faculdade de praticar tudo o quanto não é proibido por lei. Do mesmo modo, é a ausência de opressão considerada anormal, ilegítima e imoral. Ora, se são os homens que promulgam as leis, coitado daquele que por força do seu pensamento consegue sobrepor um texto a outro; que por seu intelecto, a partir da leitura de inúmeros outros livros, consegue pensar por si mesmo e discernir uma boa ação de uma ruim.
Será que uma coisa horrível como o holocausto poderia voltar a acontecer? Acredito que sim... quando ninguém mais puder sair de casa desacompanhado, visitar outra fé religiosa; estar proibido de cantar, dançar e escrever livros; quando por falta de livros a humanidade não puder vir a saber das iniquidades de seus antepassados – até como forma de não repeti-las.
É, eu tenho um sonho...

Luciano Borges
Escritor e Professor
lb.letras@gmail.com

Sobre Ouvir e Falar

“Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma”. Foi Rubem Alves certa vez quem, ao se utilizar de uma paráfrase, explicou com outras palavras uma mesma idéia dita por Alberto Caeiro no que diz respeito ao verbo ouvir: “A gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com alquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor”.
Gostaria de acrescentar às ideias acima, para que o raciocínio não se perca, a seguinte historinha – que ouvi da tradição oral – e que agora aqui vai, do mesmo modo, na forma de uma paráfrase: “Certa vez Deus que, como Grande Arquiteto do Universo que é, ao tentar estabelecer uma conformidade com o real, criou um espelho e ali depositou toda a Verdade. Tudo o que era verdadeiro e certo, franco e sincero, exato e fiel. Depois da obra criada, Ele deixou que ela caísse na Terra. Com o impacto, o espelho que continha toda a Verdade do mundo se fez em inúmeros pedaços. Os homens, ao perceberem o ocorrido, correram até os cacos e cada qual tomou para si uma parte do espelho. Desde então, a criatura humana tem afirmado que naquele pedaço que carrega contêm toda a verdade a respeito de qualquer assunto.
Manter a alma em silêncio quando a verdade como fato pode ser eventual e incerta, na medida em que em muitos casos só pode ser conhecida pela experiência, é algo quase humanamente impraticável. A meu ver, caro leitor, é preciso que se aceite esta ocorrência, a de que acontece mesmo um diálogo dentro de nós enquanto conversamos com outra pessoa.
O difícil mesmo é deitar uma descansada consideração ao que o outro diz. Porque na maioria dos casos, o nosso narcisismo nos impele a contemplar – dar mais importância – a voz que reverbera em nossa mente através daquele pequeno caco, no qual acreditamos conter toda a verdade do mundo.

Luciano Borges
Escritor e Professor
lb.letras@gmail.com

O Verbo Ouvir

Concordo com o senhor Arthur da Távola em “gênero, número, mas não em grau”, no que se refere ao artigo atribuído a ele (O Difícil Facilitário do Verbo Ouvir).
Concordo quando ele diz “Como é raro e difícil comunicar”, mas não que existam 12 pontos a serem observados. Tal afirmação, a meu ver, não passa de pura retórica cujas muitas classes não denotam o “feminino” tampouco o “masculino” da questão. Não enxergo tanta singularidade, assim como não devemos exagerar ao se tentar pluralizar demasiadamente o assunto.
Claro que há aqueles que apenas ouvem a si mesmos, como também aqueles que se entregam ao que ouviram. Contudo, um meio termo saudável, quanto ao ato de ouvir, é praticada por uma pequena parcela das mentes, realmente, vívidas quanto privilegiadas. Acredito neste pensamento porque toda fala (oral ou escrita), verdadeira ou não, tem como intuito a persuasão nua e crua. Uma vez que pretende induzir, na medida em que tenta “aconselhar” e ao mesmo tempo convencer o outro a aceitar o que está sendo dito ­– independente do meio pelo qual ela, a informação fidedigna ou não, se propaga.
A inteligência não atrapalha a plena audiência. Ao contrário, ela seleciona o que é relevante do argumento do outro, põe à prova a coerência do raciocínio... Porque ao agirmos como inocentes frente à retórica, terminamos como tolos, como se nos encontrássemos a um passo do cidadão Kane.
Documentário a parte. Acredito na singularidade do discernimento. Assim como na pluralidade das opiniões. O ouvir como facultativo aos olhos do senso crítico, e o falar como necessidade de se escapar à manipulação.
Se realmente fosse possível ouvir o outro sem qualquer reserva, o mundo teria menos grades, alarmes e cercas elétricas.
Ouvir, dar ouvidos às palavras, é mais complexo do que imagina a vã filosofia.

Luciano Borges
Escritor e professor barretense
lb.letras@yahoo.com.br