Médico de Homens e Almas


 

Há uma mania varrendo os Estados Unidos. Esta nova onda, segundos os especialistas, vai percorrer o mundo. Trata-se dos tablets, mais especificamente do IPad da Apple. Você vai ler seus livros nele, navegar pela internet, mandar e-mails, consultar sua agenda, jogar... Hufa!

Segundo o jornalista americano John C. Dvorak é a primeira vez que os tablets se tornam populares. E tudo porque seus desenvolvedores mudaram o paradigma. Antes eles tentavam mimetizar a prancheta, agora os tablets não ficam atrás dos notebooks. Aliás, os desktops, os nossos amados PCs de mesa, num futuro próximo serão usados apenas por aqueles que desejarem trabalhar com fotos, vídeos ou tarefas digamos "pesadas". Este mesmo jornalista acredita que haverá cada vez menos programadores desenvolvendo softwares para o computador de mesa. Uma vez que a demanda para programas para o IPad e afins irá crescer enormemente.

Esta semana pude manipular um IPad. Confesso que fiquei encantado. É muito leve. Sua relação com o usuário é muito amigável e intuitiva. Lembra os celulares em que você apenas passa o dedo pela tela, arrastando coisas para que outros ícones de funções surjam diante de seus olhos. A oportunidade de ter um nas mãos surgiu por acaso, em uma visita ao neurologista; que por sinal, diga-se se passagem, conseguiu me impressionar tanto pelo seu intelecto, quanto pela sua espiritualidade. Até porque não é todo o dia que você sai de um médico levando duas receitas: uma para o físico e outra para a alma. Porque além dos nomes dos remédios ele também me prescreveu alguns salmos da Bíblia.

Sofro de enxaqueca. E nas últimas duas semanas ela não tem me dado trégua, atrapalhando até o meu desempenho profissional. E a ida ao médico revelou que a gente às vezes exagera. Dorme pouco e trabalha muito, quando na verdade não custava nada deixar um dia da semana para o descanso. Ele, o médico, me disse: "Você está estressado, cara. Claro que você precisará de medicação por pelo menos dois meses. Mas, se não mudar a atitude continuará a voltar a me ver". Confesso que falar com ele mais vezes me agradaria muito, mas não como paciente. Apesar de que a companhia do doutor valeu cada centavo que paguei pela consulta, mesmo tendo dois planos de saúde!

Aproveito para narrar aqui o episódio que vivi: como estava a mais de uma semana me entupindo de analgésicos, entendi que o jeito seria tentar encaixar uma consulta com o neurologista de um dos meus planos de saúde. Fiz-lhe uma visita, o qual fui informado de que ele só me atenderia em agosto. Tentei, diante de uma "secretária da SS" (com cara de nazista e tudo), argumentar dizendo que os remédios que estava tomando já não faziam mais efeito e que eu poderia "esperar" (na verdade não podia), quem sabe o último a ser atendido. Ela, por sua vez, em resposta me disse que não seria possível, pois o doutor teria de viajar naquele dia em razão de um problema de saúde na família... Mas, que se eu pagasse a consulta (particular) ele poderia me atender! Nem preciso dizer aqui, caro leitor, a raiva que fiquei. Senti-me lesado e desamparado. No entanto, "serenamente", contando até dez, solicitei àquele poço de educação e gentileza (que mal me olhou no rosto quando cheguei) que devolvesse o meu cartão do plano de saúde, porque iria procurar outro médico. E foi o que eu fiz. Já que tinha de pagar, pagaria a outro médico. Que ultraje!

Foi o que eu fiz, paguei a outro neurologista que me proporcionou alívio, e de quebra a oportunidade de vir a conhecer o IPad. O que para um aficcionado pela leitura como eu, já era de se esperar que estivesse ansioso por conhecer. Até porque o IPad é tão fantástico que a tela simula uma estante com os livros digitais já na memória do aparelho. Basta um toque na obra de sua escolha para começar a leitura, cujas páginas são literalmente folheadas, tal qual na mídia impressa. É de encher os olhos.

Realmente, caro leitor, Deus sabe o que faz e os homens não sabem o que dizem. Não era mesmo para aquele médico, que só me receberia se eu pagasse fora do plano, me atender. Senão como eu poderia ter conhecido o outro médico, que receita remédios para o corpo e para a alma.


 


Luciano Borges/ Professor de Comunicação e Escritor

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Livro – A Ferramenta Perfeita


 

Hoje em dia é muito comum você ir a uma festa e levar uma máquina para registrar "o momento". E se por acaso não levar, basta passar no Orkut de alguém que levou e copiar as fotos que lhe interessar. Infelizmente eu e meus amigos de adolescência não pudemos registrar de forma suficiente os nossos "melhores momentos" juntos. As fotos que possuo são poucas. Naquela época as máquinas fotográficas eram uma espécie de artigo de luxo, que eu e minha turma não dispúnhamos. E, neste quesito, a garotada de hoje não tem do que reclamar.

A minha esposa, por exemplo, tem por hábito descarregar no computador as fotos tiradas em algum evento, e, logo em seguida, "salvá-las" em um CD. Assim como fazem as amigas dela, e as amigas das amigas dela; como eu mesmo já fiz; os meus amigos, e os amigos dos meus amigos. Ah! E quem sabe até você, caro leitor.

O que a maioria das pessoas desconhece é que todo este conteúdo pode vir a se perder em poucos anos. A longevidade estimada de algumas mídias eletrônicas depende muito das condições de armazenamento. Por exemplo, o pen drive que usam memória flash, em condições ideais, têm vida útil de 10 anos. Os DVDs, cerca de 30 anos.

A revista InfoExame de maio de 2010, publicou: "A maioria dos dados importantes é salva como backup em formatos como fitas magnéticas ou discos ópticos. Infelizmente, muitos desses formatos não duram nem cinco anos". "Estamos gerando mais informações do que nunca, e armazenando-as em meios cada vez mais transitórios".

Independente do fato que os discos rígidos nunca foram destinados ao armazenamento de longo prazo, e de muito dos conhecimentos de dispomos podem vir a se perderem um dia, Steve Jobs e Jeff Bezos, continuam sua "briguinha" pelo mercado dos livros digitais, e-books. A proposta destes livros digitais é a de se apresentarem como suportes de leitura que substituirão os livros impressos de papel. Eles pretendem atender ao ideal enciclopédico dos iluministas de tornar o conhecimento acessível a todos. Afinal, não podemos negar o fato de funcionarão como bibliotecas portáteis. Contudo, alguns estudiosos como o pensador da linguagem italiano Umberto Eco, consideram que o advento do livro rivaliza em importância com a invenção da roda, uma ferramenta perfeita e inigualável. Inclusive que todas as mudanças que hão de vir depois do livro impresso não passam de funcionalidades agregadas a essa matriz.

Pode ser que eu venha a adquirir uma dessas funcionalidades para mim, caro leitor. Não sei ainda se será um iPad ou um Kindle. Ainda preciso me inteirar qual me trará o melhor custo/benefício. Agora, o que para mim está muito claro, é que jamais deixarei o hábito de comprar livros impressos em papel. Pois, sua perenidade pode, em condições ideais, atravessar um século ou mais; não requer bateria para ser lido, tampouco manual de instruções, e, o melhor de tudo: vem escrito na minha língua.


 

Luciano Borges/ Professor de Comunicação e Escritor

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O Professor Cego


 

"O fracasso do ensino começa quando o professor não acredita que seus alunos possam aprender". A frase não é minha, desconheço seu autor, contudo, como podemos ignorá-la?

Frequentemente utilizo um trecho especial do filme "Em Seu Lugar", para falar sobre a importância da leitura; sobre como ela deve ser estimulada, vivida.

O trecho do filme a que me referi mostra uma jovem enfermeira cuidando de um homem cego que já está na melhor idade. Ao passar pelo quarto dele, ela é pega de surpresa. Pois o cego lhe pede que leia para ele uma poesia. Claro que de início ela recusa – como faz a maioria dos nossos alunos. Ela tenta se esquivar dizendo que lê muito de vagar. Mas, ele responde que também ouve devagar. Vencida pelos argumentos dele, ela pega o livro de poemas nas mãos e inicia uma leitura insegura, cheia de tropeços. Ela pensa em não continuar. Contudo, ele a encoraja, ao que diz para ir com calma; que era para ouvir as palavras enquanto falava. Então, ela pergunta: "Por acaso você é professor?". Ele responde: "Universitário". E a encoraja novamente: "Ora, vamos. A poesia é para ser lenta!".

À medida que a enfermeira segue lendo, vai ganhando confiança. As frases vão ficando mais claras, menos entrecortadas. Ao final da leitura, o professor pergunta: "Bom, o que achou?". Ela responde: "Legal". E ele emenda: "Resposta inaceitável! Do que trata o poema?". "Não sei", diz sinceramente a jovem. "Sabe!" Fala o professor de forma irreparável. E a inquiri: "Do que se trata?" "De perder?", indaga ela. "Perder o quê?", pergunta o mestre uma vez mais. "O amor?, interroga ela. "Ah!", diz ele: "E como é isso? O amor foi perdido? A Bishop escreveu sobre uma possibilidade, probabilidade, o quê?". "Bom... No início ela está falando de perder coisas. Tipo, chaves. E, aí, ela perde um continente". "Ela fica grandiosa", completa o professor. "É, concorda a enfermeira. E o modo como ela diz é como se não se importasse". "Ah! E o tom? Diria que é desprendido?", instiga o professor. "Eu acho que ela quer parecer que é assim, porque ela sabe, no fundo, o quanto é ruim perder", ajuíza a jovem. E o professor continua as perguntas: "Perder o quê? Ou quem? É um amor?". Ao que a enfermeira responde: "Não. É um amigo". "Nota dez!, elogia o professor, Garota experta!".

O que aconteceria, caro leitor, se o professor não instigasse a enfermeira, naquela situação aluna, a perseverar na leitura, apesar da evidente dificuldade? Se ele, professor, não acreditasse que ela pudesse ser capaz de aprender, de se superar? Quantas competências aquele professor não trabalhou de uma só vez! Autoestima, oralidade, interpretação, lógica... O professor não tinha como saber ali, naquele primeiro encontro, mas a história da enfermeira ao longo do filme nos apresenta uma jovem considerada a ovelha negra da família; que nada do que faz é certo; o tipo de pessoa que as outras rotulam como perdida, fracassada, sem jeito.

Os professores têm este poder... Poder de olhar no fundo dos olhos de seus alunos e lhes dizer, mostrar que são capazes. Os educadores têm o poder para fazer as perguntas certas, até que o aluno lhe dê uma resposta 100% certa; de elogiar, somente quando este mesmo aluno fizer mais do que lhe foi pedido e não antes. Não diante do que se espera dele, do corriqueiro, das tarefas banais.

A propósito, caro leitor, termino este artigo com o belo poema de Elizabeth Bishop, lido pela enfermeira ao professor cego: One Art - "A arte de perde não é um mistério. Tantas coisa contém em si o acidente de perdê-las, que perder não é nada sério. Perca um pouquinho a cada dia. Assim aceite austero a chave perdida... Perdi duas cidades, dois rios e um continente. Tenho saudades deles, mas não é nada sério. Mesmo perder você, o sorriso, a voz que eu amo, não muda nada. Pois é evidente que a arte de perder não chega a ser mistério. Por muito que pareça (escreve) muito sério".


 

Luciano Borges/ Professor de Comunicação e Escritor

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O Grupo de Debates


 

"Faça o melhor hoje, Junior". Esta é, na minha opinião, uma das mais belas frases que um pai pode dizer a um filho; algo como uma prece diária.

A frase do parágrafo acima foi ouvida por mim numa agradável tarde de domingo, enquanto assistia ao filme "O Grande Desafio", título em inglês: The Great Debaters. No elenco nada menos que Forest Whitaker, Nate Paker, Jurnee Smolett. O filme conta a história real do professor Melvin Tolson (vivido por Denzel Washington), que ensinando o poder das palavras, leva um grupo de jovens de uma Universidade "negra" Wiley College a participar de um campeonato de debates contra a Universidade "branca" de Harvard. Para Melvin Tolson as palavras têm poder.

Dos 360 alunos da Universidade Wiley, apenas 45 haviam tido a coragem de se candidatarem ao grupo de debates do professor Melvin Tolson, que teria a difícil tarefa de escolher apenas 4 entre os muitos candidatos. Ao professor coube explicar que a arte do debate poderia ser comparada a um esporte sangrento, cujas únicas armas eram as palavras.

O debate surge com uma propositura, uma ideia, um tema. O primeiro arguente propõe a primeira afirmativa. A afirmativa indica que se é a favor de alguma coisa. O segundo arguente proporá a negativa, que, obviamente, diz que o seu grupo é contra. A função de cada grupo de debatedores é rebater o argumento do outro. Isto é apresentar um contra-argumento.

A equipe de Wiley era disciplinada, eles estudavam o tema que seria debatido com muito cuidado e pesquisa. Liam várias obras literárias, experimentavam as mais variadas linhas de pensamento; perscrutavam o que o engenho humano ao longo dos séculos já havia produzido.

Debater é em poucas palavras tratar de, ou simplesmente questionar, contestar. Debater está ligado ao ato de argumentar, porque é na essência a expressão verbal de um juízo. Juízo este que conduz os ouvintes a um raciocínio, em que se aceita a proposição como verdadeira enquanto as razões, provas e testemunhos são apresentados.

Fiquei ao final do filme imaginando, enquanto professor de comunicação oral e escrita, nas possibilidades de se testarmos este modelo de exercício intelectual dentro de sala de aula. Uma vez que trabalharíamos ao mesmo tempo várias das competências essenciais ao desenvolvimento pessoal e profissional de nossos alunos. Sim porque, quem argumenta necessita antes estar preparado para tal. Significa que o arguente pesquisou sobre o assunto. E se houve pesquisa, o exercício da leitura de fato ocorreu. Aliás, o próprio exercício do debate exige que se desenvolva o pensamento lógico, a autoestima e, principalmente, a oralidade.

A Universidade de Harvard foi fundada em 8 de setembro de 1636. Portanto, são 373 anos de tradição. Tradição que formou ao longo destes anos nada menos que sete presidentes. São eles: John Adams, John Quincy Adams, Rutherford B. Hayes, John F. Kennedy, Franklin Delano Roosevelt , Theodore Roosevelt e, recentemente, Barack Obama.

Acredito que já seja hora de se repensar o ensino de um modo geral, mesmo aquele que acontece em nossas escolas técnicas. Até porque, do que adiante um bom profissional de nível técnico que não tem o menor jeito para falar em público (que, aliás, foge destas situações); que não sabe negociar, tampouco convencer alguém, argumentar. Como ele poderá sobreviver no mercado?

Caso não coloquemos tais competências com urgência nas grades de cursos técnicos e de graduação, como poderemos olhar os nossos alunos nos olhos, e lhes pedir que façam o melhor hoje?


 

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A Prova de Ataliba T. de Castilho


 

"A gente vamos falar errado menas vezes". Assim começa o artigo publicado pela Revista Época em 19 de abril de 2010, que tem como plano de fundo uma foto do linguista Ataliba Teixeira de Castilho ostentando a "prova" do que será o seu mais novo livro a "Gramática do Português Falado no Brasil".

O artigo, uma vez lido, sugere abrir a mente do leitor para o fato de que existe vida além do falar e escrever segundo a língua culta; que se devem valorizar os desvios da norma culta praticados no país; que ao escrever esta nova gramática do português falado no Brasil, fez um retrato da língua como ela é; que não está preocupado com o certo ou o errado.

A matéria informa que a obra não deve ser usada como uma referência de como falar ou escrever dentro da norma culta. Mas ao ser questionado sobre a utilização de sua gramática, Castilho sem titubear emendou: "...para estudos nos cursos de letras e também para o ensino médio". Não lhe parece um contrassenso, caro leitor? Afinal, ela deve ou não ser usada no ensino médio?

Será que os nossos alunos sabem mesmo escolher a variedade linguística apropriada para cada situação? Dia desses recebi por e-mail algumas pérolas do Orkut, com toda a sorte de erros gramaticais possíveis. Fato: o jovem contemporâneo tem dificuldade para escrever segundo a norma culta. Tampouco consegue criticar o que leu, ou detectar o erro ortográfico produzido. Aliás, a este respeito, o que Castilho chama de "rapidez nas abreviaturas", eu chamo de genuíno desconhecimento; condição de quem não é instruído. Exemplo: "vivo como se nao olvesse amanha". Será mesmo que a pessoa queria abreviar houvesse?

Valorizar desvios em detrimento da norma culta não é uma boa iniciativa, explica o professor Evanildo Bechara, o mais importante gramático do Brasil. "É como dizer: 'Se todo mundo está usando o crack, por que eu não vou usar?". E conclui: "Se o aluno aprende a língua que ele já sabe, ou a escola está errada, ou o aluno não precisa da escola".

Muito cedo aprendi que o sábio é aquele que entende a diferença das coisas... A língua é viva, certo? E ela varia no tempo e no espaço. Até aqui tudo bem! Mas, o quanto a língua é vivaz? Será que a ponto de não mais se distinguir o certo do errado na escrita?

O mais intrigante da matéria não está propriamente no artigo em si, mas na foto principal. A qual mostra o linguísta Ataliba Teixeira de Castilho segurando uma "prova" do livro, que pretende "defender" o modo brasileiro de falar a revelia da norma culta. Mas, prova, neste contexto e em "bom português", não é a impressão de um texto para inspeção do trabalho e correção de erros e falhas?


 

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EQUÍVOCOS NO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA


 

O melhor sinônimo para frustração é a tão popular decepção. Não há como viver e não se decepcionar com o sistema, com pessoas ou mesmo com alguns momentos de nossas vidas. Outra palavra correlata à decepção atende pelo nome de equívoco. O equívoco é algo que dá margem a suspeita, ao engano.

Rubem Alves uma vez, num artigo para a Folha de São Paulo, em 26 de novembro de 2002, escreveu: "Quando se admira um mestre, o coração dá ordens à inteligência para aprender as coisas que o mestre sabe. Saber o que ele sabe passa a ser uma forma de estar com ele".

Ao refletir sobre o que Rubem Alves escreveu, fui levado ao tempo de faculdade. Tempo de inúmeras frustrações. Porque fui à faculdade de Letras para aprender a escrever melhor; para dar significados a nomes que em criança ouvira falar (frase, oração, etc...) – tal como faz um médico ao nomear em voz alta os muitos ossos contidos em uma única mão. O meu objetivo era o que chamam hoje de Análise do Discurso. Mas o que encontrei foi uma cisão entre professores de língua portuguesa. Oportunidade que vim a conhecer os linguístas, que diferentemente dos gramáticos queriam "tocar fogo no mundo". Sim, pois abominavam a gramática. Diziam que nestes tempos novos ela perdera a força, que não deveria ser levada tão a sério como no passado. E que o erro ortográfico deixara de existir, já que a língua é livre e viva.

Com tais argumentos, caro leitor, como eu poderia amar os meus professores? Admirá-los? Querer estar com eles? Como poderiam convencer um jovem articulista que o erro ortográfico não existia? Eu que também me iniciava no ofício da revisão de obras literárias como profissional autônomo (freelancer) de uma editora barretense, responsável por adequar os textos à Norma Padrão? Eu que alimentava o sonho de tornar-me escritor um dia.

Certa vez uma pessoa que admiro muito, me aconselhou: "Luciano, não importa o conteúdo do seu artigo, caso os leitores encontrem erros no seu texto, eles começarão a depreciar o seu trabalho". Outro experiente jornalista me orientou: "Escreva o seu texto, depois o leia mais de uma vez e só então mande para a redação". Tais dicas sempre estiveram comigo nestes meus anos como articulista, eu as interiorizei. Por essas e outras é que não concordava com a forma como a escrita, segundo a Norma Culta, era tratada pelos linguístas e passada para professores em formação. Cheguei a acreditar que se tratava de uma conspiração linguística para desacreditar os gramáticos, impetrada por estudiosos da língua portuguesa que na sua maioria não tinham intimidade com a escrita. Isto é, sequer eram escritores. Imagine um estudioso da língua que possui dificuldades para redigir textos, quer pior contrassenso? Já conheci alguns.

O tempo passou. E nada como o tempo para colocar cada pedra no seu lugar. E, com alguma pesquisa, cheguei à conclusão que os meus professores até estavam alimentados com os novos rumos para o ensino da Língua Portuguesa no Brasil. No entanto, o equívoco estava no tom de suas oratórias, assim como na interpretação destas novas orientações para o ensino/aprendizagem.

O grande equívoco dos linguístas, a meu ver, reside na depreciação contundente à Norma Culta em razão aos diversos modos de se falar a nossa língua. É óbvio que o novo pensamento do professor de Língua Portuguesa não deve mais estar alinhado a uma atitude corretiva dentro da sala de aula, na qual o erro ortográfico tem mais importância que o ensino da diversidade da língua. Isto já está mais do que esclarecido. Mesmo gramáticos de renome reconhecem hoje este avanço impetrado pela Linguística. No entanto, o vale tudo na língua escrita não deve ser estimulado. Aliás, este é um equívoco de interpretação terrível, a respeito da Proposta Curricular da Língua Portuguesa ou mesmo dos PCNs.

Evidenciar a diferença e não o erro é uma forma lúcida de se pensar o ensino. Assim como é um grande equívoco afirmar que o erro ortográfico na escrita deixou de existir. Até porque se isto fosse verdade, eu não teria mais trabalho como revisor; consultores de Língua Portuguesa não teriam mais utilidade alguma a revistas, telejornais... A frase "Clínica Veterinária", por exemplo, poderia ser escrita numa placa junto de todas as informações relevantes (endereços e telefones), mas sem os acentos; para quê, não é mesmo?


 


 

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A LEITURA COMO UM PROCESSO


 

Recentemente realizou-se aqui em Barretos o concurso para professor de educação básica. Como nunca havia participado, inscrevi-me. O concurso em si foi promovido pelo governo do Estado de São Paulo, em conjunto com a Secretaria de Estado da Educação; ocorreu no dia 28 de março, com início às 8h, com fechamento dos portões às 8h30.

Levantei-me cedo. Tomei o meu café e fui arrumar o necessário: cartão informativo da Fundação Carlos Chagas com o endereço do local da prova, bem como a sala em que deveria me apresentar; lapiseira, caneta preta e borracha; e por último, mas não menos importante, meu documento de identidade. Tudo conferido parti rumo a esta nova experiência.

Ao chegar à escola E. E. Doutor Antônio Olympio, pude notar que muita gente havia se animado a participar da prova. Minha opção naquele domingo de São Xisto III era a de Língua Portuguesa.

Segundo a Nova Proposta Curricular: "O objetivo maior do ensino da Língua Portuguesa é desenvolver, nos alunos, as competências/habilidades necessárias a uma interação autônoma e ativa nas situações de interlocução, leitura e produção de textos. A eleição do texto – e não das palavras, frases, classes ou funções – como unidade de ensino decorre da constatação de que é no texto que o usuário da língua escrita exercita sua capacidade de organizar e transmitir ideias, informações e opiniões em situação de interação".

Realmente, a prova em si elegeu o texto como plano de fundo e principal verificador das competências/habilidades dos professores de Língua Portuguesa que ali estiveram. Foram 80 questões de múltipla escolha, que exigiam conhecimentos específicos e leitura prévia de uma senhora bibliografia. Pelo caderno de questões passaram: Philippe Perienoud, Tardif, Henry Giroux, Antoni Zabalo, Delia Lerner, Jussara Hoffmann, Marie-Nahthalie Beaudoin, Maureen Taylor, Isabel Solé, Cesar Cole, Robert Marzano, Debra Pichering, Jane Pollock, Hugo Assman, Andy Hargreaves, Angela Kleiman. Sem falar na LDB, CNE, CEE, CENP, IDESP, SARESP. E, é claro, Machado de Assis, Eça de Queiroz, Álvares de Azevedo e Ferreira Gullar.

Um concurso em que a leitura era a principal defesa do candidato, seja no momento do teste, ou mesmo antes dele. Fomos convidados a rememorar as informações que trazíamos de textos como os Parâmetros Curriculares Nacionais; assim como a interpretar as informações contidas em textos de gêneros diversos. Havia tirinhas de jornal, trechos de livros consagrados, poesia e até uma entrevista sobre uma senhora que aos 100 anos saltou de paraquedas. Aliás, se toda a prática educativa em Língua Portuguesa deve ter como base a prática da leitura, este concurso não deixou por menos.

Quanto a mim, que terminei o teste após 3h30 minutos, fica a sensação gostosa quanto a uma assertiva na minha vida. A de que a leitura é irrevogavelmente um processo. E que vir a gostar dos clássicos (Machado e outros) é a última etapa neste processo. Etapa esta que pela sua importância e refinamento sempre aparece em vestibulares e concursos. Algo que a simples leitura de resumos, tão usual hoje, nem de longe dá ou dará conta de vulgarizar.


 


 

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