O Professor Cego


 

"O fracasso do ensino começa quando o professor não acredita que seus alunos possam aprender". A frase não é minha, desconheço seu autor, contudo, como podemos ignorá-la?

Frequentemente utilizo um trecho especial do filme "Em Seu Lugar", para falar sobre a importância da leitura; sobre como ela deve ser estimulada, vivida.

O trecho do filme a que me referi mostra uma jovem enfermeira cuidando de um homem cego que já está na melhor idade. Ao passar pelo quarto dele, ela é pega de surpresa. Pois o cego lhe pede que leia para ele uma poesia. Claro que de início ela recusa – como faz a maioria dos nossos alunos. Ela tenta se esquivar dizendo que lê muito de vagar. Mas, ele responde que também ouve devagar. Vencida pelos argumentos dele, ela pega o livro de poemas nas mãos e inicia uma leitura insegura, cheia de tropeços. Ela pensa em não continuar. Contudo, ele a encoraja, ao que diz para ir com calma; que era para ouvir as palavras enquanto falava. Então, ela pergunta: "Por acaso você é professor?". Ele responde: "Universitário". E a encoraja novamente: "Ora, vamos. A poesia é para ser lenta!".

À medida que a enfermeira segue lendo, vai ganhando confiança. As frases vão ficando mais claras, menos entrecortadas. Ao final da leitura, o professor pergunta: "Bom, o que achou?". Ela responde: "Legal". E ele emenda: "Resposta inaceitável! Do que trata o poema?". "Não sei", diz sinceramente a jovem. "Sabe!" Fala o professor de forma irreparável. E a inquiri: "Do que se trata?" "De perder?", indaga ela. "Perder o quê?", pergunta o mestre uma vez mais. "O amor?, interroga ela. "Ah!", diz ele: "E como é isso? O amor foi perdido? A Bishop escreveu sobre uma possibilidade, probabilidade, o quê?". "Bom... No início ela está falando de perder coisas. Tipo, chaves. E, aí, ela perde um continente". "Ela fica grandiosa", completa o professor. "É, concorda a enfermeira. E o modo como ela diz é como se não se importasse". "Ah! E o tom? Diria que é desprendido?", instiga o professor. "Eu acho que ela quer parecer que é assim, porque ela sabe, no fundo, o quanto é ruim perder", ajuíza a jovem. E o professor continua as perguntas: "Perder o quê? Ou quem? É um amor?". Ao que a enfermeira responde: "Não. É um amigo". "Nota dez!, elogia o professor, Garota experta!".

O que aconteceria, caro leitor, se o professor não instigasse a enfermeira, naquela situação aluna, a perseverar na leitura, apesar da evidente dificuldade? Se ele, professor, não acreditasse que ela pudesse ser capaz de aprender, de se superar? Quantas competências aquele professor não trabalhou de uma só vez! Autoestima, oralidade, interpretação, lógica... O professor não tinha como saber ali, naquele primeiro encontro, mas a história da enfermeira ao longo do filme nos apresenta uma jovem considerada a ovelha negra da família; que nada do que faz é certo; o tipo de pessoa que as outras rotulam como perdida, fracassada, sem jeito.

Os professores têm este poder... Poder de olhar no fundo dos olhos de seus alunos e lhes dizer, mostrar que são capazes. Os educadores têm o poder para fazer as perguntas certas, até que o aluno lhe dê uma resposta 100% certa; de elogiar, somente quando este mesmo aluno fizer mais do que lhe foi pedido e não antes. Não diante do que se espera dele, do corriqueiro, das tarefas banais.

A propósito, caro leitor, termino este artigo com o belo poema de Elizabeth Bishop, lido pela enfermeira ao professor cego: One Art - "A arte de perde não é um mistério. Tantas coisa contém em si o acidente de perdê-las, que perder não é nada sério. Perca um pouquinho a cada dia. Assim aceite austero a chave perdida... Perdi duas cidades, dois rios e um continente. Tenho saudades deles, mas não é nada sério. Mesmo perder você, o sorriso, a voz que eu amo, não muda nada. Pois é evidente que a arte de perder não chega a ser mistério. Por muito que pareça (escreve) muito sério".


 

Luciano Borges/ Professor de Comunicação e Escritor

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