EQUÍVOCOS NO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA


 

O melhor sinônimo para frustração é a tão popular decepção. Não há como viver e não se decepcionar com o sistema, com pessoas ou mesmo com alguns momentos de nossas vidas. Outra palavra correlata à decepção atende pelo nome de equívoco. O equívoco é algo que dá margem a suspeita, ao engano.

Rubem Alves uma vez, num artigo para a Folha de São Paulo, em 26 de novembro de 2002, escreveu: "Quando se admira um mestre, o coração dá ordens à inteligência para aprender as coisas que o mestre sabe. Saber o que ele sabe passa a ser uma forma de estar com ele".

Ao refletir sobre o que Rubem Alves escreveu, fui levado ao tempo de faculdade. Tempo de inúmeras frustrações. Porque fui à faculdade de Letras para aprender a escrever melhor; para dar significados a nomes que em criança ouvira falar (frase, oração, etc...) – tal como faz um médico ao nomear em voz alta os muitos ossos contidos em uma única mão. O meu objetivo era o que chamam hoje de Análise do Discurso. Mas o que encontrei foi uma cisão entre professores de língua portuguesa. Oportunidade que vim a conhecer os linguístas, que diferentemente dos gramáticos queriam "tocar fogo no mundo". Sim, pois abominavam a gramática. Diziam que nestes tempos novos ela perdera a força, que não deveria ser levada tão a sério como no passado. E que o erro ortográfico deixara de existir, já que a língua é livre e viva.

Com tais argumentos, caro leitor, como eu poderia amar os meus professores? Admirá-los? Querer estar com eles? Como poderiam convencer um jovem articulista que o erro ortográfico não existia? Eu que também me iniciava no ofício da revisão de obras literárias como profissional autônomo (freelancer) de uma editora barretense, responsável por adequar os textos à Norma Padrão? Eu que alimentava o sonho de tornar-me escritor um dia.

Certa vez uma pessoa que admiro muito, me aconselhou: "Luciano, não importa o conteúdo do seu artigo, caso os leitores encontrem erros no seu texto, eles começarão a depreciar o seu trabalho". Outro experiente jornalista me orientou: "Escreva o seu texto, depois o leia mais de uma vez e só então mande para a redação". Tais dicas sempre estiveram comigo nestes meus anos como articulista, eu as interiorizei. Por essas e outras é que não concordava com a forma como a escrita, segundo a Norma Culta, era tratada pelos linguístas e passada para professores em formação. Cheguei a acreditar que se tratava de uma conspiração linguística para desacreditar os gramáticos, impetrada por estudiosos da língua portuguesa que na sua maioria não tinham intimidade com a escrita. Isto é, sequer eram escritores. Imagine um estudioso da língua que possui dificuldades para redigir textos, quer pior contrassenso? Já conheci alguns.

O tempo passou. E nada como o tempo para colocar cada pedra no seu lugar. E, com alguma pesquisa, cheguei à conclusão que os meus professores até estavam alimentados com os novos rumos para o ensino da Língua Portuguesa no Brasil. No entanto, o equívoco estava no tom de suas oratórias, assim como na interpretação destas novas orientações para o ensino/aprendizagem.

O grande equívoco dos linguístas, a meu ver, reside na depreciação contundente à Norma Culta em razão aos diversos modos de se falar a nossa língua. É óbvio que o novo pensamento do professor de Língua Portuguesa não deve mais estar alinhado a uma atitude corretiva dentro da sala de aula, na qual o erro ortográfico tem mais importância que o ensino da diversidade da língua. Isto já está mais do que esclarecido. Mesmo gramáticos de renome reconhecem hoje este avanço impetrado pela Linguística. No entanto, o vale tudo na língua escrita não deve ser estimulado. Aliás, este é um equívoco de interpretação terrível, a respeito da Proposta Curricular da Língua Portuguesa ou mesmo dos PCNs.

Evidenciar a diferença e não o erro é uma forma lúcida de se pensar o ensino. Assim como é um grande equívoco afirmar que o erro ortográfico na escrita deixou de existir. Até porque se isto fosse verdade, eu não teria mais trabalho como revisor; consultores de Língua Portuguesa não teriam mais utilidade alguma a revistas, telejornais... A frase "Clínica Veterinária", por exemplo, poderia ser escrita numa placa junto de todas as informações relevantes (endereços e telefones), mas sem os acentos; para quê, não é mesmo?


 


 

Luciano Borges/ Professor de Comunicação e Escritor

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