Fotografia

Dias desses alguém próximo me perguntou se eu tinha saudades do meu pai. Olhei para ela tentando imaginar o motivo da pergunta. E ela logo esclareceu que havia sabido através de uma pessoa que meu pai abandonara a família, quando eu e meus irmãos éramos pequenos. A minha resposta não demorou, disse-lhe que não. As palavras saíram tão naturais que a pessoa logo se convenceu.
Chegando em casa senti uma vontade de mexer em algumas fotos antigas. Não demorou muito e encontrei a foto de um grande amigo, bateu aquela saudade. Depois outra com a turma toda. E a saudade apertou ainda mais. Dei uma longa e gostosa risada. Daí pensei na pergunta que me fizeram pela manhã... É, não sinto nada por ele.
Ah, mas a saudade dos amigos me apertou o coração. Sei lá, talvez seja estes tempos, final de ano. As lembranças dos inúmeros natais juntos. É difícil de dizer.
O fato é que hoje se saio de casa logo sinto saudade dela, principalmente quando olho para o horizonte esfumaçado do alto de algum prédio... No passado, minha casa possuía três quartos para quatro pessoas e os cachorros. Sinto saudade daquela também, porque ali vi crescer a minha consciência toda. Mas, não tenho saudades dele.
Tenho saudades daqueles rostos que convivi em criança, daqueles que amei com ternura, alguns sem muita eficiência, na minha adolescência e, mesmo assim, a grande maioria deles na sua totalidade. Ora, se tenho saudades. Tenho. Mas não dele...
A maioria dos meus amigos de ontem e de sempre já estão casados, morando em outras cidades, enquanto eu fico aqui, olhando para algumas fotos e recordando as trapalhadas, as encrencas, o primeiro beijo, as festinhas, as meninas que detestavam rock, armas e rosas. É difícil dizer adeus a tudo isso. Não dá para apagar, não dá para substituir. É como na canção: “...cada memória é como sair pela porta dos fundos”.
Guardo saudade dos meus cachorros, de todos eles: do Sultão, da Rani, e, mais recentemente, do Marujo... Mas não dele.
E o meu irmão, que levarão tão cedo, dizendo: “antes ele do que eu”. Agora, amargam ao sol nascendo quadrado e a marra se dissolvendo num quarto diminuto, enquanto se lembram minuto a minuto da tocaia que fizeram.
Seja como for, credito na sentença de que a vingança só é válida e “minha” se dita por Deus.
Em verdade, tenho saudade do meu irmão caçula; daquele ingênuo, inconsequente, que a malícia de outra gente envolveu. Talvez ele tivesse sentido, enquanto crescia, saudades do pai que não teve. E até chorasse ao revê-lo, depois de tanto tempo do abandono. Mas não eu. Não hoje. Senti-me abandonado tempo demais. E talvez, agora, tenha encontrado algum conforto em tanta ausência.
Para mim saudade é como ouvir uma voz, de memória. E se alguma se cala muito cedo, por mais que se tente, chega um tempo que não se consegue mais ouvi-la. Talvez, por isso, eu não sinta mais saudades dele.
Fica aqui essa fotografia. Um momento congelado no tempo. Um registro fiel de mim.

Luciano Borges / Professor e Escritor / lb.letras@gmail.com
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