Amor Que Não Enfarta

Sempre sonhei com essa mulher, mas na maioria das vezes fingia que não ligava para ela. A contradição está em mim, menino, moço, senhor de mim. Na verdade, nunca levei a vida muito a sério nos meus dias áureos de juventude. Se bem que aqui cabe a paráfrase: qual alma é velha, quando a alma não é pequena?
Era extremamente delicioso ser irresponsável, ver a culpa diminuída nos olhos complacentes dela. Mas, ela... Ah! Ela... Será que hei de esquecê-la? Livros, dia frio, fragilidade, música, Djavan e eu... Um ser pela metade, introvertido, deitado em meu próprio divã, aprendendo a viver sorrindo meio torto, amarelo, sendo complacente com todos, andando meio que arqueado, chorando às escondidas. Cadê o menino que fui? O moço extrovertido, o melhor e o senhor de mim?
Hoje, longe de ti, quebro o torto (como qualquer coisa), enquanto a refeição não chega... Há a fome, o fundo do estômago e a prece sem nome.
Na solidão dos seus carinhos, os dias passam sedentos. Rugas me cobrem, os fios se esgotam. Dobro outra dobra sobre o umbigo. Rastejo de um canal a outro; ouço de tudo, risonhos apelos à audiência... Escuto até o silêncio, o mais leve murmúrio do vento... Menos a sua voz. Logo, fico quietinho, desligo-me num “click” e contido não movo um músculo. Nenhum som. Então, compreendo que você há de estar em algum lugar no mundo, algo apartada dos meus olhos, envolta por uma distância que se mede em quilômetros.
Talvez tenha virado uma flor, um aroma, o grão da terra, a gota no mar, o brilho da lua. Mas, sobretudo, o horizonte que não alcanço...
Mil metros à frente, outros mil atrás, entre os lençóis da cama, um celular me reanima, desperta... O rosto está suado, quarto abafado, sonho ou pesadelo?
Foi só uma noite dormindo em meio a uma cama grande, enquanto o ventilador me incomodava com o barulho.
Saudades... Porque não importa a distância, uma ou duas quadras, Sorocaba que seja; meu irmão tem razão em chorar do outro lado da linha todas às vezes que me liga... Sim, porque no intimo ele certamente sinta saudade de um amor seguro. Amor de mãe.
Mamãe, a você uma prece: meu bem querer é querer bem você. Te amo tanto, quanto te amamos eu e todos os meus irmãos.
Nota do Autor: Dedicado em especial à minha mãe e a memória da minha amiga Eunice Espíndola. Também a todos aqueles que compreendem o amor de mãe e que, por conseguinte, sintam a carência dele; mesmo que seja pela falta pequena, ministrada em doses homeopáticas em dias da semana, ou pela ausência perene. Uma vez que este sim é um amor que não enfarta.

Luciano Borges
Membro da Academia de Letras
e Artes de Barretos — ALAB

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