Mais Magra

Prólogo: No tabuleiro da vida se as possibilidades se esgotam, é porque tudo o mais está as claras.
A mãe de Camila sempre desconfiou da filha. Não que demonstrasse vivamente as suas suspeitas. Mas, alguma coisa – aquela voz que a todos inquieta – dizia-lhe intimamente que algo com a sua caçula não ia lá muito bem. E, infelizmente, numa estranha manhã de novembro, todo o seu temor transformara-se em realidade.
Alguém pelo celular cuidou em avisar que Camila estava internada. O motivo: sofrera uma parada cardíaca.
Camila tinha apenas dezesseis anos... Não era alta, nem esguia, tampouco modelo de passarela. Era essencialmente uma menina comum; dessas que assistem e ouvem os “Rebeldes”; vez ou outra dormem na casa de suas amigas para falarem mais à vontade dos garotos, de seus medos, anseios etc. Tudo se encaixava na vida de Camila, menos, ao seu ver, o próprio índice de massa corporal (IMC) que oscilava entre 13 e 15 – muito abaixo do mínimo recomendado pela Organização Mundial da Saúde, que é de 18,5. Camila precisava estar cada vez mais magra para se sentir feliz. Tudo bem que a adolescente não era nenhuma modelo, no entanto, respirava moda da mesma forma. Trabalhava já algum tempo numa butique. A loja era pequena, porém nada modesta – especializada no glamour dos artigos mais caros do vestuário feminino, incluindo aí as bijuterias. Ela, como vendedora, sentia necessidade de se manter no mesmo nível das demais. Afinal, todas as suas colegas de trabalho possuíam barrigas impecáveis; tudo no seu devido lugar, nada sobrando, seco como um deserto.
Jamile ao chegar no quarto de hospital para onde a filha fora levada, já pressentia todo o quadro. Na verdade, sabia desde o início. Anorexia nervosa, eis o mal de sua caçula. Todas as peças estavam postas e faziam sentido agora...
Há muito tempo que Camila não se sentava ao lado da mãe para fazer uma boa refeição. Toda a família almoçava e jantava em horários diferentes. Tanto era assim, que Jamile não se cansava de perguntar a filha se havia comido algo...
Havia a balança estrategicamente posta aos pés da cama da menina – presente desta para si mesma, um sinal de sua independência financeira. Suas roupas eram largas... Ah, houveram tantos sinais!
Os fios castanho-escuros enchiam-lhe o pente, quando penteava os cabelos. Vez ou outra, lá estava ela, trancada no banheiro devido ao uso de laxantes. Podia-se também encontrar no quarto de Camila, material de ginástica guardado debaixo da cama. Jamile, certa vez, perguntou à filha sobre o motivo pelo qual mantinha tais equipamentos se nunca a via manipulá-los... Simples, deduzia agora a mãe, Camila os devia usar durante a madrugada – a fim de queimar mais e mais calorias. Tudo realmente fazia sentido: uma garota bonita, perfeccionista, mas de gênio irritadiço, cujo estômago doía muito e a menstruação ocorria sempre de modo irregular.
— O coração de sua filha – explicou o médico – bate muito devagar. Porque o organismo dela está muito debilitado. Felizmente o pior (infecções) não ocorreu...
Jamile chorava enquanto olhava a filha deitada naquela cama de hospital. E prometera a si mesma: que ficasse doravante com o rótulo de inconveniente, de indiscreta, inoportuna. Mas, não mais assistiria calada a filha se prejudicar. Mesmo porque, no tabuleiro da vida se as possibilidades se esgotam, é porque tudo o mais está as claras. De mais a mais, uma família possui laços muito fortes, e, sendo assim, tudo o que acontece a um afeta a todos (Pense e reflita).

Luciano Borges
Membro da Academia de Letras
e Artes de Barretos — ALAB
lucianoborges@bol.com.br

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