Uma Noite por Vez



HÁ CHUVA. PINGOS INTERMITENTES. ASSOVIOS ECLODEM aqui e ali pela passagem abrupta do ar à medida que este se movimenta, tal ou qual um guarda em redor de minha casa.
São 2h00 da manhã. Estou sentado em uma sala ampla, contemplando, através de uma janela à minha frente, uma noite úmida entrecortada pela solidão e alguns raios cujos clarões não me soam mais que fagulhas.
Programas televisivos não me atraem. Encontro-me de barba feita, cabelos alinhados, camiseta básica sobre um abdômen tanquinho. Prefiro o estilo despojado ao terno e gravata.
Faróis tão aguardados dão o tom de que minha convidada chegou. Levanto-me a fim de atendê-la, mas antes aciono um pequeno controle remoto. Logo uma música suave inunda os espaços e caminho até a porta. Ao abri-la, uma mulher no alto de seus quarenta anos sorri para mim um tanto quanto encabulada – sem dúvida somos estranhos um ao outro. Contudo, esta noite em questão não correrá explícita aqui nas próximas linhas. Há primeiro que me apresente e, assim o fazendo, contarei sobre os acontecimentos que culminaram neste encontro. O encontro entre um homem e uma mulher. Talvez nunca mais a veja.
A faculdade de direito sempre me pareceu um dos cursos mais adequados à minha personalidade. Tudo bem que meus pais, ambos criminalistas, apoiaram a minha escolha desde o meu primeiro anuncio sobre o curso. No entanto, há vários dias – leia-se semanas – não apareço nas aulas. Desde o dia em que soube da viagem de meus pais, uma segunda lua-de-mel pela Europa... dois meses! Dois meses nos quais eu e este pequeno palácio estaremos entregues a nós mesmos. Seria um pecado uma casa tão grande sob os cuidados de uma única alma. Ato contínuo, não hesitei, peguei o telefone e liguei para um serviço de acompanhantes. O anuncio na internet dizia, e as fotos assim confirmavam – sobre exuberantes garotas universitárias e que atendiam a domicílio. Uma hora e meia depois, a campainha tocou.
Sempre tive vontade de fazer amor com uma mulher cujo interesse pelo meu dinheiro estimulasse o sexo pelo prazer. Abri a porta, uma loira alta, olhos azuis, bem maquiada, salto alto, vestindo um conjunto sensual na cor preta, corou ao me reconhecer. Era Renata, mal pude acreditar, uma das mais brilhantes alunas de minha classe – assim como o “sonho de consumo” de vários marmanjos da faculdade.
De minha parte tentei, sem algum sucesso, esconder a surpresa. De sua parte, Renata ficara sem ação. Seus olhos diziam sobre o conflito que vivia naquele momento. Fugir? Tentar maquiar seu constrangimento de alguma forma? Mas dizer o quê?
Como um cavalheiro não lhe disse nenhuma palavra. E, com um gesto, a convidei a entrar. Levei-a até a sala, solicitei sua bolsa para em seguida colocá-la sobre um aparador próximo; indiquei-lhe o sofá. Fui até o bar, abri um champanhe e enchi duas taças. Sentei-me ao seu lado e lhe entreguei a bebida. Ela agradeceu com um aceno e virou todo o conteúdo de uma vez. Certamente pensava que eu a delataria aos amigos de faculdade na primeira oportunidade. Era engraçado como eu podia simplesmente saber o que se passava em sua mente. Sendo assim, deixei que o silêncio do meu corpo lhe dissesse que não contaria nada a ninguém sobre aquela noite. O seu corpo, “ouvindo”, agradeceu ao meu da mesma forma a meia-luz. Se houve um contraponto invertível? Não é de todo errado imaginar que sim. Até porque, senão trocamos nossas vozes, ou sequer as usamos, certamente nossos corpos mudariam inúmeras vezes as posições, sem com isso prejudicar qualquer regra que privilegiasse a boa harmonia.
Tudo dito entre nós, para minha surpresa, Renata afastou não apenas a sua taça como também a minha, depositando-as suavemente à borda do sofá. Seu olhar mudou. Fechando os meus olhos com as pontas de seus dedos, pôs-se a me beijar com uma volúpia que poucas vezes havia experimentado antes. E ali mesmo no sofá fizemos amor pela primeira vez naquela noite.
Já exaustos, lá pelas 4 da manhã, decidimos sair do banho em meio às espumas. Secando o seu corpo, a essa altura, foi que ela me disse:
­— Foi uma noite inesquecível, “Ricardo”.
Renata se vestiu e não me deixou acompanhá-la até a saída. Tampouco aceitou de mim qualquer pagamento pela sua companhia. Abriu a pesada porta pela qual entrara horas atrás e se foi. Minutos depois, agora enrolado em uma toalha procurei a chave, precisava trancar a casa e acionar o alarme. Mas não a encontrei como de costume qual falo na fechadura. Aliás, ela estava caída ao pé da porta, semelhante a um peso de papel, a amparar várias notas de 100 reais. Renata havia pagado pelos meus serviços.
Esse foi o meu primeiro “dia” como garoto de programa. Depois dele já se passaram alguns. Dias que vão se prolongar enquanto durarem as minhas férias. Desde então, recebo em casa mulheres de todas as idades, mas de condição financeira invejável. Não que eu precise de dinheiro. Não é isso. Apenas me agrada o fato de fazê-las felizes, ao menos uma noite por vez.

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